Este texto é baseado na resenha do seguinte artigo: Cavaller-Bellaubi M et al. Sustaining Meaningful Patient Engagement Across the Lifecycle of Medicines: A Roadmap for Action. Ther Innov Regul Sci. 2021 Sep; 55(5):936-953. doi: 10.1007/s43441-021-00282-z. |
Introdução
A incorporação das perspectivas e opiniões dos pacientes no processo de desenvolvimento de medicamentos está cada vez mais sendo reconhecida como uma parte importante para o desenvolvimento de medicamentos inovadores que atendam melhor às necessidades e prioridades dos pacientes. Os pacientes são cada vez mais incorporados e valorizados em diferentes etapas do processo de desenvolvimento de medicamentos, incluindo:
- priorização de pesquisa (ajudando a definir demandas não atendidas),
- desenho do programa clínico e testes clínicos,
- diálogo precoce com reguladores
- centros de avaliação de tecnologia em saúde
- autoridades responsáveis pela definição de preço e reembolso (payers)
No entanto, a prática ainda não é padrão e é impulsionada por grupos de inovadores em cada conjunto de stakeholders e com pouca difusão em direção à plena implementação da perspectiva dos pacientes em todo o processo. Existem muitas abordagens e recomendações para envolver pacientes, mas eles são frequentemente destinados a diferentes propósitos e podem ser de curta duração, além de prejudicar a sustentação da prática de envolvimento de pacientes. Além disso, o envolvimento dos pacientes muitas vezes é superficial, abordado apenas em uma questão de escolha e satisfação, ao invés de real input no desenho do projeto. A falta de demonstração dos benefícios tangíveis do envolvimento dos pacientes pode ameaçar a consolidação das práticas de envolvimento de pacientes.
O consórcio PARADIGM (Patients Active in Research and Dialogues for na Improved Generation of Medicines), financiado pela Iniciativa de Medicamentos Inovadores (IMI), definiu a participação do paciente (PE) como a colaboração ativa e efetiva de pacientes, defensores dos pacientes, representantes de pacientes e/ou cuidadores nos processos e decisões do ciclo de desenvolvimento de medicamentos, juntamente com outros stakeholders relevantes, quando apropriado. O consórcio teve dois objetivos:
- Promover a cocriação de ferramentas e práticas abrangentes para apoiar a integração das perspectivas dos pacientes no ciclo de desenvolvimento de medicamentos e demonstrar o retorno do envolvimento
- Fornecer um roteiro estratégico para apoiar a mudança sistemática nas organizações de stakeholders para tornar a participação do paciente uma prática comum e sustentável.
A implementação do roteiro se baseia na adopção e uso de longo-prazo dos recursos de cocriação, em complementariedade com as estruturas de engajamento do paciente já existentes, além de impulsionar as redes de stakeholders.
Este artigo descreve o desenvolvimento e o conteúdo deste roteiro estratégico e faz um chamado para ação a todas as organizações e instituições envolvidas no desenvolvimento de medicamentos, incluindo pacientes e organizações de pacientes, desenvolvedores de medicamentos, acadêmicos, autoridades reguladoras, membros de avaliação de tecnologias de saúde, pagadores, tomadores de decisão políticos e financiadores de pesquisa pública, para alcançar uma participação do paciente significativa e sustentável para melhores resultados em saúde.
O processo de desenvolvimento do roadmap (roteiro para ação)
Um grupo de trabalho multi-stakeholder dentro do Consórcio PARADIGM desenvolveu um roteiro de sustentabilidade de PE (engajamento de pacientes), com representantes de organizações de pacientes, desenvolvedores de medicamentos, autoridades regulatórias e academia, por meio de um passo a passo descrito no Quadro 1.
Quadro 1. Resumo de métodos para implementação do engajamento do paciente no desenvolvimento de medicamentos
Sequência de passos metodológicos | Tipo de método |
Passo 1: Entender as necessidades do stakeholder e as preferências com relação ao engajamento do paciente, incluindo a sustentabilidade | Survey (questionário) |
Passo 2: Entender como mudanças na cultura, processos e recursos influenciam a sustentabilidade de organizações | Pesquisa em sites de busca Entrevistas (informais) Exercício de benchmarking |
Passo 3: Identificar elementos chave para o desenvolvimento de cenários para sustentabilidade do engajamento de pacientes por meio de ferramentas de planejamento estratégico | Atividades estruturadas de brainstorming Workshop canvas de modelo de negócios Análise SWOT Workshops de priorização |
Passo 4: Identificar cenários preferidos para a sustentabilidade do ecossistema de engajamento de pacientes | Consulta |
Passo 5: Desenvolvimento da estrutura do roadmap | Busca na literatura Workshop Entrevistas (informais) Questionários e encontros face a face Workshop online |
As questões que motivaram as discussões iniciais foram as seguintes:
“O que torna o PE sustentável?”
“Que mudanças são necessárias para que o PE se torne uma prática comum?”
Com base em uma estrutura proposta por alguns pesquisadores, que vislumbram a necessidade primordial de estabelecer uma cultura e processo para superar barreiras existentes, o roteiro foi criado com base em uma estrutura de três dimensões:
O grupo conduziu um amplo exercício de benchmarking para identificar fatores comuns de sucesso para a sobrevivência a longo prazo e a sustentabilidade operacional, que foram categorizados de acordo com as três dimensões de sustentabilidade descritas na Figura 1.
Além disso, o grupo procurou desenvolver cenários com potenciais de acelerar a implementação do PE e torná-lo sustentável. Para isso levaram em conta:
- Aprendizados e avaliação de necessidades e preferências
- Resultados de um exercício de benchmarking
- Produtos de diferentes rodadas de reflexão
- Processo de consulta
A partir disso foram sugeridos quatro cenários, descritos na Figura 2.
Figura 2. Cenários de sustentabilidade
Cada cenário foi descrito de forma a se traduzir concretamente em um futuro cenário de PE. Os autores destacam que embora o desenvolvimento de medicamentos possa continuar a se desenvolver sem nenhuma intervenção ou PE, o cenário integrado mostrou o potencial de acelerar as mudanças culturais e a adoção de novos processos para sustentar o PE em toda a região europeia. Este cenário combina uma forte sinalização de autoridades de saúde para tornar o PE uma exigência no desenvolvimento de medicamentos, com uma oferta diversificada de serviços de engajamento do paciente desenvolvidos por organizações com e sem fins lucrativos. Eles mostraram que o engajamento de pacientes por meio de pacientes e associações de pacientes melhora as oportunidades de engajamento e sustenta o financiamento para posterior construção da capacidade de engajamento dos pacientes, que pode estar sob risco se as associações de pacientes forem excluídas desse processo.
O roadmap de sustentabilidade foi construído com base nos princípios da “Teoria da Mudança”, comumente utilizado para focar nas bases teóricas de um projeto, levando em consideração o contexto em que a mudança ocorrerá. Os roteiros, ou roadmaps, consistem de cinco elementos que devem ser abarcados:
- Iniciativa: análise do ambiente e atores que podem influenciar a mudança,
- Mudança de longo prazo: visão geral e mudança de longo prazo desejada, além dos benefícios esperados
- Sequência ampla de eventos ou atividades que podem levar aos objetivos de longo prazo ou mudança em um dado contexto
- Suposições: como mudanças em eventos e atividades podem acontecer e se essas atividades e os produtos resultantes são apropriados para influenciar a mudança desejada em um dado contexto
- Resumo da narrativa e diagrama
As informações para a estrutura foram coletadas por meio de consultas com partes interessadas e entrevistas informais com reguladores e outras entidades supranacionais com um possível papel na harmonização dos requisitos da PE. O roadmap foi refinado para ser relevante para a região da Europa Central e Oriental.
O mapa de sustentabilidade do engajamento do paciente
O objetivo de uma roadmap é mapear o futuro desejado (não prevê-lo) e fornecer uma ferramenta para o planejamento estratégico colaborativo que permite que as partes interessadas elaborem estratégias e tomem medidas em direção a esse futuro desejado.
Contexto, ambiente e barreiras ao PE
Embora as oportunidades para colaborações de envolvimento de pacientes (PE) com múltiplas partes interessadas tenham se tornado mais comuns, o cenário atual ainda apresenta barreiras, incluindo:
- barreiras culturais e políticas;
- falta de conhecimento e experiência para realizar PE;
- barreiras metodológicas;
- barreiras para a implementação de PE;
- falta de recursos humanos e financeiros;
- confidencialidade e conflito de interesse;
- preconceitos sobre PE
Tais barreiras já foram descritas em outros lugares. As barreiras variam de acordo com os contextos políticos, econômicos, socioculturais e tecnológicos em nível nacional, por exemplo, algumas barreiras são mais desafiadoras em países da Europa Central e Oriental (CEE). Em geral, o envolvimento de pacientes e a colaboração entre as partes interessadas estão mais alinhados e maduros entre os Estados-Membros da UE Ocidental em comparação aos Estados-Membros da CEE. Algumas nuances específicas de normas legais, éticas e culturais são frequentemente ampliadas além das fronteiras. Portanto, alguns países podem precisar abordar certas barreiras nacionais específicas para PE antes de serem capazes de enfrentar uma ampla gama de objetivos e ações descritos no roadmap.
Objetivos finalísticos
O roteiro de sustentabilidade de Engajamento do Paciente delineado neste artigo tem os seguintes elementos:
(a) a visão que define ‘por que precisamos agir’,
(b) a missão que descreve ‘o que precisa ser feito’,
(c) as metas finais, que são resultados de longo prazo aspiracionais,
(d) as metas intermediárias, que são passos importantes para alcançar as metas finais, e
(e) as ações necessárias para implementar/desenvolver as metas e, por fim, a visão.
O roteiro abrange quatro metas finais que devem ser atingidas para superar as barreiras identificadas e alcançar um Engajamento do Paciente significativo e sustentável para melhores resultados de saúde:
- Estabelecer uma colaboração ética e baseada em confiança entre todos os stakeholders envolvidos no desenvolvimento de medicamentos,
- Garantir a inclusão e a diversidade na PE,
- Incorporar a PE na mentalidade, em cada etapa e em todas as organizações,
- Assegurar liderança dedicada e tempo operacional, recursos e financiamento para a PE.
As a ações descritas em cada objetivo final são direcionadas a todas as organizações/instituições envolvidas ao longo do processo de desenvolvimento de medicamentos.
Objetivo Final 1: Estabelecer uma colaboração ética e baseada na confiança entre todas as partes interessadas em engajamento de pacientes envolvidas no desenvolvimento de medicamentos.
A confiança é um dos fatores críticos subjacentes para uma colaboração sustentada de longo prazo e para seu sucesso. Para alcançar esse objetivo, foram identificadas as três áreas de ação abaixo:
Incluir os pacientes como parceiros iguais
A comunidade de pacientes (pacientes, cuidadores, defensores/advocates, associações de pacientes) tem o papel primordial de aumentar sua credibilidade e reconhecimento por outros stakeholders. É necessário haver uma estratégia de alinhamento entre as associações de pacientes para apresentar uma voz unificada nos órgãos de tomada de decisão e política. Isso é particularmente importante na região da CEE, onde muitas vezes há uma desconexão mais séria entre as associações de pacientes e os tomadores de decisão. O desenvolvimento de parcerias e transferência de conhecimento de melhores práticas entre associações de pacientes pode ajudar a definir a estratégia e os objetivos das associações em relação à participação pública.
Para alcançar uma parceria igualitária, é necessário fortalecer a capacidade organizacional para uma PE estratégica sistemática dentro de todas as organizações de stakeholders. O comprometimento da liderança executiva é necessário para incluir as ideias dos pacientes nos processos de tomada de decisão. Além de desenvolver sua capacidade interna, é importante que as organizações de stakeholders também contribuam para o desenvolvimento da capacidade da comunidade de pacientes para se envolver e interagir de forma significativa. Outras ações necessárias incluem aumentar a conscientização sobre o impacto e as práticas da PE, ouvir campanhas de defesa de iniciativas que promovam a PE e estabelecer alianças com instituições que já trabalham com processos estabelecidos de PE.
Identificar os incentivos certos e motivações para o PE para todos os stakeholders
Alguns estudos mostram que uma estrutura de monitoramento e avaliação para medir e demonstrar o impacto das atividades de PE pode ajudar a construir a motivação, incentivos e subsequente mudança cultural para melhorar a adoção de PE nas organizações de interesse. Alguns potenciais incentivos podem ser internos à organização (por exemplo, um prêmio reconhecido publicamente concedido a funcionários / departamentos que mostram o impacto de suas estratégias e atividades de PE) ou externos (por exemplo, Prêmios Pérola Negra da EURORDIS, Prêmio de Colaboração em Saúde da EFPIA).
Melhorar a percepção social da colaboração entre pacientes, suas organizações e outros stakeholders
As colaborações entre pacientes, suas organizações e outros stakeholders precisam se tornar práticas padrão. Assim todas as partes se beneficiariam de uma melhoria na percepção externa dessas colaborações, o que também pode aumentar a disposição geral para se envolver. Ações que podem apoiar essas iniciativas incluem seguir uma estrutura estabelecida, ética e transparente para ajudar a ter o PE, comunicar sucessos e fracassos por meio de plataformas estabelecidas e confiáveis, envolver-se em parcerias público-privadas e garantir que os processos sejam éticos, transparentes e relevantes entre associações de pacientes e outras atividades para gerenciar e mitigar proativamente potenciais conflitos de interesses.
Objetivo Final 2: Garantir a Participação Inclusiva e Diversa de Pacientes
Envolvimento Significativo de Pacientes e seus Representantes
Os pacientes têm necessidades e perspectivas que variam amplamente dentro e entre doenças, regiões geográficas, características sociodemográficas e outras. É importante reconhecer essa diversidade e desenvolver práticas que a incorporem de forma respeitosa e inclusiva. Na colaboração de pacientes no desenvolvimento de medicamentos, é preciso encontrar um equilíbrio entre a diversidade e a experiência e expertise necessárias para a atividade. É necessário maximizar as oportunidades de envolvimento para incorporar uma ampla gama de experiências e pontos de vista dos pacientes, incluindo pacientes vulneráveis, com necessidades especiais, minorias e recém-diagnosticados.
As organizações devem fomentar a conscientização interna e externa, ter políticas de igualdade e diversidade e planejar os recursos necessários para a realização de ajustes e atendimento às necessidades específicas dos pacientes. É crucial que recursos, orientações e ferramentas integradas de engajamento de pacientes, acompanhados de soluções de treinamento, sejam disseminados para garantir a construção de capacidade de engajamento de pacientes. Capacitação ou treinamento deveria incluir, não sendo restrito a, mentoria formal e informal e treinamento de liderança e programas para assegurar que o conhecimento e a expertise sejam desenvolvidos e aprimorados na ampla comunidade de pacientes e seus representantes. Isso é particularmente importante pois as questões relativas à doença podem limitar a continuidade de certos membros ou associações, ou mesmo ter seu envolvimento interrompido.
Além disso, é necessário realizar um exercício de benchmarking regular para avaliar as atitudes em relação ao valor do engajamento de pacientes. Todos os stakeholders podem realizar tais ações em suas respectivas organizações para priorizar recursos e promover a mudança em áreas onde essa mudança é mais necessária.
Envolva os órgãos locais, regionais e nacionais de todos os stakeholders como impulsionadores para a mudança
A participação dos pacientes muitas vezes ocorre em programas de desenvolvimento clínico específicos para uma determinada região (como na EMA – European Medicines Agency). Porém, organizações locais, regionais e nacionais têm um papel importante como impulsionadoras da mudança cultural em sistemas de saúde descentralizados. Para otimizar a alocação de recursos, é recomendado que essa mudança aconteça em órgãos já fortes ou bem estabelecidos, que possam utilizar plataformas de networking para compartilhar e adotar as melhores práticas, promover a troca de conhecimento e permitir a participação ativa em fóruns de discussão e/ou tomada de decisão. Essa abordagem deve se tornar amplamente difundida para garantir que as estratégias sejam consideradas em um contexto mais amplo, visando os melhores resultados de saúde possíveis.
Objetivo Final 3: Incorporar o Engajamento do Paciente na Mentalidade em Todos os Passos e em Todas as Organizações
Reconhecer o engajamento do paciente como valioso e visível para todas as partes interessadas
Demonstrar e reconhecer o valor da participação do paciente requer o uso de abordagens diferentes, mas complementares. Isso inclui a geração de dados cientificamente sólidos sobre a experiência do paciente por meio de metodologias validadas, que devem ser reportados regularmente e analisados para fornecer evidências do valor agregado. Métricas são úteis para identificar quantos e quais tipos de insights fornecidos durante a atividade de PE foram implementados. Em última instância, o engajamento de paciente levaria a melhores resultados em saúde e para isso se faz necessário identificar indicadores relevantes para garantir que as necessidades dos pacientes estejam refletidas nestes indicadores. Além disso, é necessário identificar resultados negativos para entender onde e o que precisa ser melhorado.
Outras ações para aumentar o reconhecimento do valor da PE envolvem criar uma comunidade e/ou ecossistema de saúde que possa defender a PE e identificar defensores em diferentes grupos de stakeholders e organizações que possam articular o risco de não envolver os pacientes dentro e fora de suas organizações. Parcerias estratégicas de associações de pacientes com instituições de ensino superior e sociedades científicas serão essenciais para treinar a futura força de trabalho de organizações de saúde, indústria, autoridades reguladoras, membros de ATS e academia sobre o valor da PE e o papel dos pacientes no desenvolvimento e acesso a medicamentos. Uma abordagem similar tem sido descrita em outros lugares para a coprodução de serviços de saúde centrados no paciente. Financiadores de pesquisa pública e tomadores de decisão, assim como outros organizações e autoridades de saúde pública, e organizações supranacionais podem facilitar a criação de políticas e diretrizes para sustentar a participação do paciente.
Incorporar a Participação do Paciente em Todo o Ciclo de Vida dos Medicamentos nos Processos e Funções
Ter uma abordagem estruturada e consistente de processos de engajamento de pacientes entre organizações-chave ajudará a reduzir as barreiras e práticas sub-ótimas de engajamento. O curso de ações requer que:
- Organizações identifiquem pontos no desenvolvimento de medicamentos onde os insights dos pacientes são essenciais e adicionariam maior valor (ex.: validação de endpoints, desenvolvimento de medidas de resultado relevantes para o paciente, avaliação de risco/benefício, etc),
- Organizações definem e constroem a capacidade necessária para assegurar a implementação do engajamento de pacientes; confie em champions que lideram mudanças culturais e organizacionais; aprendam continuamente a compartilhar as melhores práticas; monitorem e adotem práticas existentes, ferramentas e recomendações,
- Agências reguladoras, membros de ATS e pagadores integrem a voz do paciente em seus procedimentos e desenvolvam uma estrutura de engajamento; definam métricas para mensurar o grau de efetividade da implementação do engajamento de pacientes em suas atividades e processo e reportem com regularidade seus achados; assegurem transparência; usem plataformas existentes em ciência regulatória ou de outros países ou regiões para garantir a discussão do engajamento do paciente e assegurar melhores práticas.
Ter uma estrutura regulatória comum para o envolvimento do paciente (PE)
É esperado que reguladores e formuladores de políticas liderem o caminho em direção a uma estrutura comum de engajamento do paciente. Autoridades de saúde pública e organizações supranacionais também podem ajudar a estabelecer prioridades claras para o engajamento como parte de uma estratégia mais ampla de saúde pública. Além disso, são necessárias metodologias harmonizadas para ajudar a capturar os insights dos pacientes de maneira sistemática e aceitável em decisões reguladoras, ATS e reembolsos. O texto também menciona iniciativas específicas como:
- A estratégia contida no EMA Regulatory Science para 2025 que reflete uma abordagem que vem evoluindo na EMA em relação a dados do paciente, enfatizando o uso de metodologias que coletem a experiência do paciente para avaliação de risco/benefício, coordenando abordagens de medidas de resultado relatados pelos pacientes (ou os PRO – Patient Reported Outcomes) e promovendo o uso de medidas de qualidade de vida oriundas dos PRO.
- O FDA americano, por meio do seu programa PFDD (Patient-Focused Drug Development) está desenvolvendo quatro documentos guia para a coleta e uso de inputs dos pacientes para melhor informar o desenvolvimento de produtos e tomada de decisão.
- EMA e FDA se comprometeram a fazer uma colaboração formal, com troca de conhecimento e alinhamento em relação aos processos de engajamento do paciente entre as duas agências por meio de diferentes mecanismos.
- Em 2019, a agência regulatória do Japão, a Japanese Pharmaceuticals and Medical Devices Agency (PMDA) mostrou seu comprometimento com o engajamento de pacientes ao criar o Grupo de Trabalho da Centralidade do Paciente para identificar como pacientes poderiam ser envolvidos nas atividades da agência e desenvolver guias em relação a este engajamento na agência.
- O artigo aborda que o ICH, o International Council for Harmonisation of Technical Requirements for Pharmaceuticals for Human Use, que abarca diversas agências reguladoras em saúde no mundo, poderia ter uma função significativa na harmonização de práticas de engajamento de pacientes em programas de testes clínicos. O ICH já começou a revisar uma nova versão da diretriz ICH E8, voltada para testes clínicos, que inclui considerações gerais sobre os inputs dos pacientes em estudos de testes clínicos (nota minha: como o artigo é de 2021, gostaria de mostrar aqui que o ICH E8 foi lançado em abril de 2022).
- O Council for International Organizations for Medical Sciences (CIOMS) criou em 2018 o Grupo de Trabalho CIOMS XI sobre envolvimento do paciente, e está elaborando um guia global de envolvimento do paciente, que inclui a participação do paciente na geração e utilização de dados de segurança e efetividade (nota minha: esse guia foi lançado em 2022, e pode ser acessado aqui)
Objetivo final 4: Garantir liderança dedicada e tempo operacional, recursos e financiamento para o engajamento do paciente
Garantir que tempo, recursos e financiamento dedicados estejam disponíveis para um engajamento do paciente significativo e sustentável
A realização de uma PE ótima requer recursos substanciais em termos de tempo operacional para proporcionar o engajamento do paciente, aumentando os recursos e as capacidades dos funcionários e da capacidade departamental ou garantindo financiamento contínuo para as atividades de PE. No entanto, os recursos humanos e financeiros atuais não são suficientes para alcançar uma PE significativa e sustentável em todos os grupos de partes interessadas e organizações. A indústria precisa aumentar o orçamento e a alocação de recursos para unidades de engajamento de pacientes. Modelos financeiros relevantes devem ser estabelecidos para garantir a sustentabilidade de estratégias e ações de PE em diferentes regiões, e a compensação justa para os pacientes participantes é necessária para garantir a participação ativa das comunidades de pacientes. As organizações devem avaliar suas necessidades de tempo, pessoal e financiamento e garantir que sejam abordadas onde é mais relevante e/ou provável de ter um impacto significativo e benefício.
O texto menciona que diferentes modelos de financiamento que apoiam as atividades de engajamento de pacientes serão necessários para assegurar sustentabilidade de ações e estratégias de longo prazo. Os recursos atuais são limitados e muito reativos. No caso das associações de pacientes, os recursos são principalmente privados, o que resulta em uma percepção de ausência de independência das organizações. Além disso, tal financiamento em geral é para atividades de curto prazo, ao invés de projetos estratégicos, de longo prazo, necessários para assegurar respostas estáveis e sustentáveis. Isso pode ser agravado por financiamento distribuído para outras causas em crises de saúde globais. Demonstrar o retorno ao engajamento pode ajudar a alavancar financiamento mais estratégico.
Dependendo do stakeholder, outras ações podem envolver procurar modelos alternativos por meio de iniciativas nacionais e transfronteiriças que possam promover práticas e processos de engajamento do paciente. Um modelo preferido é aquele que garanta a independência da associação de paciente. Não haverá engajamento significativo se a implementação de uma estrutura de compensação para pacientes participantes comprometer ou enfraquecer a participação da comunidade ou resultar em sentimentos de desrespeito ou desconfiança. É crítico que a compensação seja paga de acordo com um valor de mercado justo ou de acordo com regulamentações locais. Também é necessário garantir que a participação em atividades de engajamento do paciente não seja onerosa para os pacientes.
Certifique-se de que todas as organizações de stakeholders tenham liderança dedicada à PE e as capacidades necessárias
Em relação aos recursos humanos, é crucial garantir líderes de PE dedicados que possam impulsionar mudanças culturais e organizacionais e também equipar as organizações com funções que possuam as competências básicas necessárias, processos, ferramentas e sistemas para implementar a PE.
Recursos e ferramentas para a sustentabilidade
O Consórcio [PARADIGM] desenvolveu uma caixa de ferramentas para aumentar a preparação dos stakeholders para o envolvimento do paciente, seguindo uma análise de necessidades e cocriação. Ela foi feita com base em iniciativas globais e com a experiência de parceiros do Consórcio, além de fornecer guias e recomendações práticas entre diferentes fases da PE. Planejamento para sustentabilidade envolve conhecer as ferramentas disponíveis e usa-las nos estágios certos para assegurar práticas de engajamento consistentes. Muitas organizações já estão fazendo uso desse kit de ferramentas, incluindo a EUPATI (uma parceria multi stakeholder voltada à inovação terapêutica). O artigo apresenta uma figura (Figura 5) com links para várias iniciativas público-privadas que promovem, apoiam e desenvolvem ferramentas para maior engajamento do paciente.
A função de organizações stakeholder
O processo de mudança em direção à PE sustentável é esperado em níveis individual, organizacional e sistêmico, podendo ocorrer em diferentes ritmos em diferentes geografias e organizações. O roadmap não propõe uma abordagem linear no tempo para ações, mas ações que podem ocorrer em momentos não lineares, em diferentes checkpoints. Organizações devem aceitar alguma incerteza e refletir continuamente sobre suas aprendizagens para recalibrar sua estratégia e táticas para uma nova evolução sistêmica. O uso de recursos e ferramentas de PE integrados e a partilha de conhecimentos serão cruciais na implementação das ações descritas na estratégia.
A responsabilidade coletiva e colaborações entre grupos de partes interessadas e organizações serão cruciais para impulsionar as ações. O monitoramento do progresso na implementação das ações será necessário para redefinir ou atualizar a estratégia de acordo com a evidência coletada. A participação em plataformas multi-stakeholder será fundamental para monitorar se e como as mudanças são implementadas em organizações e grupos de partes interessadas. O roadmap encoraja as partes interessadas a aproveitar as iniciativas e plataformas existentes para a difusão de conhecimento e troca de experiências, bem como mecanismos para avaliar o progresso em direção à visão.
Limitações
O roteiro tem como objetivo ser aspiracional e vislumbra que a participação do paciente (PE) no desenvolvimento de medicamentos é sustentável, ou seja, que a PE como “negócio habitual” é alcançável. Embora haja uma cultura compartilhada em crescimento sobre a importância do engajamento dos pacientes, os stakeholders têm expectativas e objetivos diferentes em relação à PE no desenvolvimento de medicamentos e, portanto, podem ter atitudes diferentes em relação à necessidade e ao impacto da mudança. Os autores reconhecem que as estratégias de cima para baixo (por exemplo, os reguladores exigindo evidências de PE como parte do dossiê de registro de medicamentos) podem ajudar a acelerar a mudança (por exemplo, a entrada do paciente no programa clínico).
Embora as ações sejam destinadas a serem adotadas por todos os stakeholders envolvidos, reconhece-se que não há uma única entidade na Europa responsável pela implementação ou atualização do roteiro. Como resultado, será necessário ajustar o roteiro dependendo de diferentes e possivelmente concorrentes mandatos, processos ou outras influências. Em alguns países, será importante abordar as barreiras existentes antes de sua implementação. Como o benchmarking periódico do progresso é feito separadamente por cada stakeholder usando diferentes mecanismos, não será fácil chegar a benchmarks realistas e compartilhados para o roteiro. Colaborações informais entre grupos de stakeholders por meio de plataformas de compartilhamento de conhecimento e outros mecanismos focados em PE desempenharão um papel no avanço da estratégia.
O roteiro não foi testado dentro de nenhuma entidade ou stakeholder para identificar possíveis impedimentos à sua implementação. Alguns elementos podem não ser práticos ou viáveis para implementar por um ou mais stakeholders em qualquer etapa. As suposições que sustentam o ambiente atual de PE e o estado futuro desejado têm um grau de incerteza e precisão limitadas, e, portanto, o roteiro pode exigir atualização a médio ou longo prazo.
O roteiro pode ser afetado por crises globais de saúde que têm impacto na estabilidade política dos países e na disponibilidade de recursos nos sistemas de saúde. A PE pode ser particularmente reduzida em tais circunstâncias, como observado durante a pandemia da COVID-19. As organizações de pacientes (POs) enfrentaram dificuldades operacionais e prioridades em mudança devido ao aumento da demanda para apoiar sua comunidade, o que levou à redução de outras atividades, como captação de recursos ou envolvimento em atividades de PE. No entanto, emergências de saúde pública também podem trazer oportunidades para maior colaboração em que a mudança impulsionada por pacientes e cidadãos pode se tornar mais relevante. A expansão de eventos e plataformas virtuais durante a pandemia aumentou a acessibilidade dos pacientes a esses eventos, facilitando assim a discussão e troca entre pacientes e outros stakeholders de maneira sem precedentes.
Conclusão: chamado para ação
O progresso em direção a um benchmarking e estratégias em evolução não são passos finais: a mudança sustentável requer um processo de contínuo aprendizado e melhoria, compartilhamento de experiência e produção de mais mudança (se necessária). Os stakeholders agora possuem um roteiro de ação que pode ser adotado e adaptado dentro de suas organizações dependendo da maturidade de suas próprias práticas de engajamento de pacientes. O roadmap recomenda que sejam tomadas uma série de atividades em direção a quatro objetivos para assegurar que o engajamento do paciente seja sustentado por meio de:
- Confiança mútua entre os grupos de stakeholder
- Engajamento inclusivo e diverso, com o envolvimento de organizações em todos os níveis (não somente central ou global)
- Impulsionadores culturais para inserir o engajamento do paciente dentro e entre organizações
- Recursos humanos dedicados e recursos financeiros
A adoção e implementação ampla deste roadmap necessita de uma comunidade aberta e colaboração honesta e troca entre a própria organização e grupos de stakeholders. Agora mais do que nunca o engajamento do paciente parece estar ao alcance se todos os envolvidos tomarem ações conjuntas e determinadas.