QUINTA
CIENTÍFICA

DIA 13 Julho

O papel da ciência cidadã na promoção da equidade em saúde

O papel da ciência cidadã na promoção da equidade em saúde

Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on linkedin
LinkedIn
Share on email
Email
Este texto é baseado na resenha do seguinte artigo: Rosas, L. G. et al. The Role of Citizen Science in Promoting Health Equity. Annual Reviews 43, 215-234 (2022). https://doi.org/10.1146/annurev-publhealth-090419-102856

Introdução

Existe uma necessidade urgente de novas abordagens para mitigar de forma eficaz as amplas e persistentes desigualdades de saúde tanto nos Estados Unidos quanto globalmente. Embora haja progresso na melhoria dos resultados gerais de saúde nos Estados Unidos, as desigualdades nas principais causas de morte, como doenças cardiovasculares, câncer e diabetes, persistiram e, em alguns casos, aumentaram ao longo do tempo. As desigualdades de saúde são resultado de uma complexa interação de fatores nos níveis individual, familiar, comunitário e político. Intervenções ao nível individual, como aquelas que promovem estilos de vida saudáveis para a prevenção e gestão de doenças crônicas, são cruciais e têm mostrado promessa na melhoria dos resultados de saúde. No entanto, na ausência de mudanças nos ambientes físico e social, essas melhorias podem ser desafiadoras de alcançar e quase impossíveis de sustentar. Teorias sociológicas reconhecem a importância de modificar os ambientes físico e social como componentes críticos para melhorar a saúde da população e alcançar a equidade em saúde.

Desenvolver e testar estratégias multissetoriais desse tipo é desafiador dentro dos paradigmas existentes de pesquisa biomédica. Os paradigmas existentes frequentemente resultam em intervenções inadequadas, e têm tido dificuldade em alcançar mudanças políticas ou sistêmicas. Da mesma forma, a participação limitada dos membros da comunidade afetados pelas desigualdades de saúde pode resultar em descobertas de pesquisa que não são relevantes ou aplicáveis para mitigar as desigualdades de saúde. Os membros da comunidade e outros interessados (por exemplo, formuladores de políticas, professores, profissionais de saúde) trazem sua experiência de vida em relação às desigualdades de saúde e estão imersos nos ambientes físicos e sociais que são importantes para a mudança. Por fim, as abordagens existentes de pesquisa biomédica frequentemente falham em considerar a imensa diversidade dos fatores sociais, culturais, demográficos e geográficos que são especialmente importantes para alcançar a equidade em saúde.

Os modelos de pesquisa participativa oferecem uma alternativa aos modelos de pesquisa biomédica existentes. A ciência cidadã é um modelo promissor de pesquisa participativa na área da saúde que envolve a participação do público em geral no processo científico em colaboração com cientistas profissionais. 

Há várias classificações de ciência cidadã devido a variedade de envolvimento público no processo científico. Os autores mostram algumas propostas difundidas:

  • Ciência Cidadã em três níveis por Rowbotham et al.: 
    • Contributiva – Envolve cidadãos cientistas apenas na coleta de dados
    • Colaborativa – Amplia o envolvimento dos membros da comunidade para a análise e interpretação de dados.
    • Co-criada – Estende ainda mais o envolvimento dos membros da comunidade para a definição do problema e a tradução dos resultados da pesquisa para impacto na saúde pública. 
  • Ciência Cidadã em três níveis por English et al. 
    • Crowdsourcing – Semelhante à ciência cidadã contributiva, refere-se à participação ativa ou passiva na coleta de dados, como contribuir com dados por meio de autovigilância ou sensores pessoais ou outras formas de tecnologia
    • Pesquisa participativa limitada – Semelhante à ciência cidadã colaborativa, envolve a comunidade na definição do problema e na coleta de dados.
    • Ciência cidadã extrema – Semelhante à ciência cidadã co-criada, envolve a comunidade na análise, interpretação, disseminação do estudo e ação em saúde pública. 
  • Há também a proposta de King et al. com níveis que já sinalizam os diferentes graus de participação da comunidade, sendo eles: “para as pessoas”, “com as pessoas” e “pelas pessoas”.

A ciência cidadã com alto envolvimento da comunidade está alinhada com a pesquisa participativa baseada na comunidade (CBPR – Community-based Participatory Research, em inglês) e busca integrar perspectivas da comunidade para promover a equidade em saúde. Essa abordagem permite que os membros individuais da comunidade se engajem diretamente na coleta, análise e uso de dados relevantes para eles. Dessa forma, a ciência cidadã oferece um modelo alternativo, fora das parcerias formais entre comunidade e universidade, que muitas vezes são comuns. Isso é especialmente importante quando há uma escassez de organizações comunitárias representando determinados grupos ou tópicos de saúde.

O poder da ciência cidadã com alto envolvimento reside na oportunidade que ela proporciona aos membros da comunidade de identificar, coletar, analisar e utilizar dados significativos e relevantes para eles. Isso desempenha um papel fundamental na promoção da equidade em saúde, uma vez que as influências dos ambientes sociais e físicos nas inequidades de saúde são frequentemente percebidas apenas por aqueles que experimentam essas injustiças, e podem ser menos compreendidas por aqueles que têm controle sobre as decisões da comunidade. Nesta revisão, o foco recai sobre a ciência cidadã que envolve os membros da comunidade em atividades além da simples coleta ou contribuição de dados. Os objetivos gerais deste estudo são resumir os esforços existentes que utilizam a ciência cidadã para abordar a equidade em saúde e fornecer recomendações para avançar nessa área.

Métodos

A abordagem utilizada pelos autores para analisar o papel da ciência cidadã na promoção da equidade em saúde foi uma revisão sistemática. Os autores realizaram uma busca no PubMed, PsycINFO e CINAHL, usando palavras-chave relevantes. Não houve restrição de período de publicação para capturar o máximo de artigos relevantes possível.

Após a seleção, um total de 425 estudos foram incluídos na revisão sistemática. Os autores empregaram uma abordagem qualitativa para analisar e sintetizar as informações desses estudos. Utilizaram métodos de análise de conteúdo para identificar temas e padrões emergentes. Esse processo envolveu a codificação dos dados, a categorização dos temas e a análise transversal dos resultados. No final, 107 artigos foram selecionados para uma análise mais detalhada.

Dentre os 107 artigos selecionados, 22 abordavam especificamente a equidade em saúde. Além disso, os autores examinaram as referências desses 22 artigos, o que levou à identificação de mais 42 artigos relevantes. Cinco desses 42 artigos adicionais foram incluídos na análise, totalizando 27 artigos abordando diferentes aspectos da ciência cidadã. Esses artigos trataram de estruturas de pesquisa na ciência cidadã, áreas comuns de pesquisa, ferramentas de coleta de dados, características dos cidadãos cientistas envolvidos, inclusão dos cidadãos cientistas em diferentes fases da pesquisa e métodos de avaliação do processo e resultados do envolvimento dos cidadãos cientistas.

Resultados

Dos 107 artigos analisados na íntegra, 27 foram selecionados para compor a revisão. Os critérios de exclusão foram aplicados aos demais artigos, resultando nas seguintes justificativas:

  • 31% dos artigos eram conceituais, de revisão ou não apresentavam detalhes suficientes sobre projetos reais de ciência cidadã. Esses artigos ofereciam apenas menções superficiais a esforços de ciência cidadã ou se referiam a preparativos para projetos futuros.
  • 19% dos artigos foram excluídos porque envolviam apenas a coleta de dados pelos cidadãos cientistas, sem qualquer outro tipo de envolvimento no processo de pesquisa. Esses estudos não refletiam os princípios da ciência cidadã co-criada, extrema ou “pelos próprios cidadãos”.
  • 12% dos artigos não estavam relacionados à equidade em saúde.
  • 9% dos artigos não estavam relacionados à ciência cidadã ou pesquisa participativa.
  • 8% dos artigos não estavam relacionados à saúde humana.

Esses critérios de exclusão foram aplicados para garantir que a revisão se concentrasse em artigos relevantes, que abordassem de maneira adequada a ciência cidadã e a equidade em saúde.

Modelos (Frameworks)

Vários modelos e métodos de pesquisa foram mencionados nos 27 estudos incluídos nesta revisão. O método de ciência cidadã “Our Voice” foi amplamente utilizado nas áreas de pesquisa de atividade física e alimentação saudável. O “Our Voice” é uma iniciativa global de pesquisa, envolvendo a comunidade por meio de tecnologia, com o objetivo de capacitar os residentes de comunidades diversas a documentar e melhorar aspectos de seus ambientes físicos e sociais que afetam diversos aspectos de uma vida saudável. Os cidadãos cientistas aprendem a interpretar e priorizar seus dados e utilizam suas descobertas para se envolverem com tomadores de decisão e advogar por melhorias em nível comunitário. Além do método “Our Voice”, outros estudos de ciência cidadã utilizaram abordagens de pesquisa participativa, como CBPR (Pesquisa Participativa Baseada na Comunidade) e Pesquisa de Ação Participativa Juvenil. Um estudo utilizou o modelo “Community Health Engagement Survey Solutions” (CHESS), que é uma abordagem sistemática para envolver cidadãos cientistas na coleta de dados, definição de prioridades e mudança de políticas.

Áreas de Pesquisa Comuns

As temáticas mais comuns dos artigos foram sobre temas como exposição a poluentes ambientais, atividade física e alimentação saudável. Abaixo, segue uma descrição dos achados sobre esses temas.

Exposições a poluentes ambientais

A área de pesquisa mais comum (33%) abordou a exposição a substâncias poluentes presentes no meio ambiente. Diversos estudos envolveram pessoas comuns como cientistas voluntários, que testaram amostras de residências e vizinhanças em busca desses poluentes. Seguem alguns exemplos desses estudos:

  • Um grupo de pesquisadores colaborou com moradores de uma comunidade no Arizona, próxima a uma área de mineração e um local de alto risco ambiental, para investigar a presença de arsênio no solo e na água potável. Os voluntários receberam treinamento para coletar amostras de solo em seus próprios jardins e, em seguida, participaram de ações para exigir mudanças políticas relacionadas à qualidade da água potável.
  • Em outro projeto, voluntários em Kentucky trabalharam junto com pesquisadores para medir a qualidade do ar interno e a exposição à fumaça de tabaco em ambientes fechados. Utilizando dispositivos portáteis, eles coletaram dados que serviram de base para a defesa de políticas que visam criar ambientes livres de fumaça.
  • Alguns estudos envolveram jovens como cientistas voluntários para investigar exposições a poluentes ambientais:
    • Em um deles, jovens de uma comunidade na Califórnia participaram do estabelecimento de uma rede de sensores de ar de baixo custo. Eles foram treinados para coletar dados e usaram essas informações para propor mudanças nas políticas locais, visando melhorar a qualidade do ar em sua comunidade.
    • Outro projeto contou com a participação de jovens e seus professores em comunidades locais, utilizando kits de teste para medir a presença de radônio em suas casas. Essa colaboração permitiu não apenas a realização dos testes, mas também contribuiu para aumentar o conhecimento científico desses jovens.
  • Dois estudos exploraram desastres naturais e planejamento para essas situações. Após o desastre do derramamento de petróleo Deepwater Horizon no Golfo do México, pescadores receberam treinamento para atuar como cientistas voluntários, medindo a exposição a substâncias tóxicas presentes no ambiente. Essa participação dos pescadores não apenas melhorou a qualidade dos dados coletados, mas também aumentou a compreensão sobre os riscos ambientais na comunidade. Em outra pesquisa, cientistas voluntários trabalharam em conjunto com comunidades expostas a altos níveis de poluentes industriais durante desastres de inundação no Texas. Essa colaboração permitiu coletar dados e propor mudanças no uso da terra para proteger a saúde da população em futuros eventos de inundação.

Atividade física

A promoção de um estilo de vida ativo em bairros com ambientes desfavoráveis para atividade física foi a segunda área de pesquisa mais comum (30%). Estudos envolveram crianças e adultos nos Estados Unidos e em nível global. Esses estudos avaliaram características ambientais relacionadas à atividade física, como facilidade de caminhar, presença de lixo, segurança, manutenção de calçadas e acesso a instalações recreativas, incluindo parques. Seguem alguns exemplos desses estudos:

  • Um projeto envolveu crianças e pais latinos na avaliação de barreiras relacionadas aos programas de Rotas Seguras para a Escola, resultando em um aumento no uso de meios alternativos e saudáveis de locomoção, como bicicleta e caminhada.
  • Esforços globais incluíram a participação de cidadãos cientistas nos EUA, Colômbia e Chile na avaliação dos impactos de iniciativas públicas de atividade física, como parques temporários e fechamento de ruas para promover um estilo de vida ativo.
  • Outros estudos avaliaram o impacto de programas comunitários de promoção de atividade física e a potencial adoção e expansão desses programas.
  • Outro projeto envolveu residentes, empresários e autoridades eleitas em uma avaliação de parques temporários baseados em cidades em Los Altos, Califórnia.

A alimentação saudável e a nutrição

Por fim, o terceiro tópico mais abordado foram estudos de ciência cidadã abordaram a alimentação saudável, com foco nos ambientes nutricionais. Seguem alguns exemplos desses estudos:

  • Um estudo envolveu adultos mais velhos, de baixa renda e etnicamente diversos na área da Baía de São Francisco. Os participantes identificaram o acesso a alimentos saudáveis e o transporte como principais obstáculos para uma alimentação saudável.
  • Em outro estudo, jovens membros de uma tribo na região noroeste da Califórnia participaram de um treinamento sobre pesquisa. Eles realizaram uma pesquisa em sua comunidade e constataram que o acesso a alimentos saudáveis era um problema significativo.
  • Um estudo envolveu jovens em uma comunidade em East Oakland, Califórnia. Eles identificaram escolhas alimentares não saudáveis em lojas e a falta de segurança alimentar como barreiras para uma alimentação saudável. Com base nesses dados, eles defenderam a implementação de uma feira de produtores e um centro de alimentos local.
  • Outro estudo realizado na Escócia e Inglaterra envolveu mais de 5.000 pessoas. Os participantes colaboraram em estratégias para promover uma alimentação saudável, como aulas de culinária, jardinagem e fornecimento de refeições saudáveis para crianças nas escolas.

Ferramentas para Coleta de Dados

Os cidadãos cientistas empregaram uma ampla variedade de estratégias e tecnologias para coletar dados. Nas pesquisas sobre poluentes ambientais, eles utilizaram diversas ferramentas de avaliação de exposição ambiental, como sensores de ar, kits de coleta de amostras domésticas e kits de teste de qualidade da água. Já nos estudos que abordaram atividade física e alimentação saudável, os cidadãos cientistas optaram por aplicativos móveis e outras ferramentas de coleta de dados. Esses aplicativos móveis foram desenvolvidos para capturar informações tanto sobre os recursos disponíveis na comunidade quanto sobre as barreiras que afetam um estilo de vida saudável.

No método Our Voice, por exemplo, foi utilizada a Ferramenta de Descoberta de Bairro Saudável da Universidade Stanford (Discovery Tool). Essa ferramenta permitiu que os cidadãos cientistas tirassem fotografias geocodificadas e gravassem ou narrassem áudios sobre as características do ambiente físico e social local que afetam a saúde. A Discovery Tool é um aplicativo móvel disponível em diversos idiomas e foi testado em vários países, abrangendo os seis continentes, com usuários de diferentes faixas etárias, níveis de alfabetização e habilidades tecnológicas.

Outro método de ciência cidadã utilizado foi o aplicativo móvel Streetwyze, adotado por jovens cidadãos cientistas em East Oakland, Califórnia. Esse aplicativo comercial permite que os cidadãos cientistas coletem informações geocodificadas e registradas no tempo sobre questões que afetam a saúde.

Esses exemplos ilustram como os cidadãos cientistas empregaram uma diversidade de métodos e ferramentas para coletar dados, adaptando-se às especificidades de cada área de estudo e envolvendo pessoas de diferentes contextos e habilidades.

Características dos cidadãos cientistas

O número de pessoas envolvidas como cidadãos cientistas variou de 8 a aproximadamente 5.000 em cada estudo. A maioria dos estudos contou com a participação de 10 a 30 membros da comunidade, embora em alguns casos esse número não tenha sido especificado. Os cidadãos cientistas foram recrutados principalmente em comunidades de baixa renda, minorias étnicas/raciais e outras comunidades com recursos limitados, com o objetivo de promover a igualdade na área da saúde.

Nos estudos que investigaram a exposição a poluentes ambientais, os cidadãos cientistas frequentemente foram recrutados em comunidades que sofriam de forma desproporcional com esses poluentes. Essas comunidades geralmente eram de baixa renda e tinham uma grande proporção de minorias étnicas/raciais. Além dos cidadãos cientistas, outros indivíduos importantes, como formuladores de políticas, professores, proprietários de negócios e autoridades locais, também participaram como cidadãos cientistas em alguns estudos. Eles estiveram envolvidos em atividades decorrentes dos esforços dos cidadãos cientistas.

Inclusão de Cientistas Cidadãos no Processo de Pesquisa

A maioria dos estudos (81%) envolveu os cidadãos cientistas em várias etapas do processo de pesquisa, promovendo uma abordagem participativa e colaborativa. Eles desempenharam um papel ativo na coleta de dados, interpretação dos resultados e compartilhamento dessas informações. Muitos estudos forneceram aos cidadãos cientistas os resultados individuais, juntamente com dados adicionais para ajudar na compreensão deles. Em alguns casos, os dados coletados pelos cidadãos cientistas foram usados para influenciar mudanças nas políticas ou programas com o objetivo de melhorar a saúde. Essas iniciativas destacam a importância da participação ativa dos cidadãos cientistas em todo o processo de pesquisa.

Alguns estudos envolveram os cidadãos cientistas desde o início, incluindo-os na definição do problema ou na escolha do tema de pesquisa. Esses estudos geralmente foram conduzidos em parceria com organizações e membros da comunidade. No entanto, em poucos estudos os cidadãos cientistas participaram do planejamento do estudo ou do desenvolvimento das ferramentas de pesquisa. Da mesma forma, eles geralmente não estiveram envolvidos na análise dos dados. Em alguns casos, os pesquisadores com experiência especializada realizaram a análise, especialmente quando eram necessárias técnicas laboratoriais específicas para avaliar exposições a poluentes ambientais. No entanto, outros estudos encontraram maneiras de incluir os cidadãos cientistas na análise de dados. Por exemplo, em um estudo, os jovens participantes tiveram um papel ativo na seleção das variáveis importantes a serem analisadas. No método Our Voice, os cidadãos cientistas revisaram coletivamente as fotografias geocodificadas e as narrativas em áudio/texto geradas pela Discovery Tool para identificar temas e questões-chave a serem abordados.

Avaliação de abordagens de ciência cidadã

Foi observada uma considerável variabilidade na avaliação do processo de ciência cidadã, especialmente em relação aos relatórios de resultados ou impactos de curto, médio e longo prazo.

Embora todos os estudos tenham coletado dados relevantes para a área de pesquisa (por exemplo, dados sobre exposição ambiental a poluentes, barreiras ou facilitadores do ambiente construído para atividade física ou alimentação saudável) e tenham relatado esses dados ou os esforços de disseminação, poucos estudos indicaram uma avaliação abrangente ou de longo prazo dos resultados do projeto ou dos processos e práticas de engajamento. 

Alguns estudos utilizaram pesquisas antes e depois para avaliar os impactos nos próprios cidadãos cientistas. Por exemplo, um estudo avaliou as mudanças no empoderamento, otimismo e interesse em buscar educação científica entre os jovens participantes. Outros estudos empregaram pesquisas antes e depois para avaliar as mudanças no ambiente construído como resultado do projeto. Além disso, foram realizadas coletas de dados qualitativos, como entrevistas em diferentes momentos, para avaliar os processos de parceria e a eficácia dos esforços em promover mudanças sustentáveis. 

Discussão

Esse artigo mostra que avanços significativos na ciência cidadã possibilitaram a inclusão de diversos grupos no processo de pesquisa para abordar aspectos-chave dos ambientes físico e social e promover a equidade em saúde. Apresentamos as seguintes recomendações para avançar o campo da ciência cidadã no enfrentamento da equidade em saúde.

1. Expandir a ciência cidadã para abranger tópicos importantes para a equidade em saúde: Existe um grande potencial para envolver cidadãos cientistas em tópicos cruciais para promover a equidade em saúde. Por exemplo, o racismo estrutural, o acesso aos cuidados de saúde, o acesso ao transporte e a estabilidade habitacional são determinantes importantes das desigualdades em saúde que podem se beneficiar da integração de cidadãos cientistas. Envolver os membros da comunidade na abordagem dessas áreas importantes traz a promessa de avançar a equidade em saúde por meio de pesquisa e soluções conduzidas pela comunidade.

2. Aumentar a diversidade dos membros da comunidade como cidadãos cientistas, especialmente aqueles que vivenciam desigualdades em saúde: É fundamental diversificar os perfis dos cidadãos cientistas para abordar questões críticas relacionadas à equidade em saúde. Futuros esforços devem explorar métodos de recrutamento de cidadãos cientistas, como amostragem aleatória e outras abordagens apropriadas, a fim de avaliar melhor o impacto dessas abordagens nas mudanças ambientais e comunitárias relevantes, que são o foco principal desta pesquisa. Além disso, é importante concentrar-se no treinamento dos cidadãos cientistas e avaliar suas experiências, a fim de oferecer oportunidades contínuas de aprimoramento da participação de cidadãos cientistas de diferentes origens.

3. Aumentar a integração dos cidadãos cientistas em fases adicionais da pesquisa: Há oportunidades para envolver cidadãos cientistas em várias etapas adicionais do processo de pesquisa, como definição do tema, design do estudo, análise e visualização dos dados. Essa integração pode facilitar a compreensão e promover mudanças positivas entre os residentes e partes interessadas. Incluir as perspectivas dos cidadãos cientistas em todas as fases da pesquisa provavelmente trará benefícios adicionais para promover a equidade em saúde.

4. Continuar aproveitando as tecnologias emergentes que permitem aos cidadãos cientistas coletar, interpretar e apresentar seus dados de maneiras convincentes para promover a equidade em saúde: A ciência cidadã tem utilizado diversas tecnologias para permitir que os membros da comunidade coletem dados de forma sistemática e rigorosa. Com o avanço rápido das tecnologias, é importante continuar incorporando abordagens emergentes nesse campo. Exemplos são a geração de linguagem natural (GLN), que tem sido útil para motivar, treinar e reter membros da comunidade envolvidos em certas formas de ciência cidadã. Por meio da GLN, é possível fornecer feedback aos participantes sobre a correta implementação dos protocolos de pesquisa.  Outras tecnologias em avanço rápido podem ser aplicadas no campo da ciência cidadã participativa para ajudar os residentes e os tomadores de decisão a ter melhor visualização das mudanças locais que podem ter impactos positivos na saúde da comunidade. Além das fotos comumente coletadas por cidadãos cientistas, é possível obter formas mais avançadas de visualização tridimensional por meio de plataformas de big data, como o Google Street View ou o Google Earth. Além disso, a realidade aumentada e as plataformas portáteis de realidade virtual podem oferecer maneiras mais dinâmicas, imersivas e convincentes de visualizar as mudanças potenciais sugeridas pelos cidadãos cientistas.

5. Fortalecer a rigidez dos métodos para avaliar o impacto na equidade em saúde: À medida que a ciência cidadã em prol da equidade em saúde continua a crescer, é necessário prestar maior atenção para garantir a rigidez na avaliação dos resultados. A Associação Europeia de Ciência Cidadã propôs 10 princípios da ciência cidadã que incluem um foco na avaliação de programas de ciência cidadã quanto ao “resultado científico, qualidade dos dados, experiência dos participantes e impacto mais amplo na sociedade ou políticas”. Abordagens participativas podem ser particularmente adequadas para a avaliação das experiências dos participantes e dos impactos mais amplos na sociedade ou políticas. Um método participativo é o Mapeamento de Efeitos em Cascata (Ripple Effects Mapping), no qual os pesquisadores mapeiam visualmente os relatos dos cidadãos cientistas sobre os resultados de sua participação e como eles ocorreram. O processo permite que os cidadãos cientistas compartilhem como os resultados pretendidos ou esperados foram alcançados, bem como identifiquem resultados não intencionais ou não previstos. Com o mapeamento visual resultante desse processo, a ampla variedade de impactos normalmente derivados de pesquisas participativas podem ser facilmente comunicada a diversos públicos, incluindo futuros financiadores ou tomadores de decisão locais, para advogar por mudanças.

Além das recomendações apresentadas, destaca-se que esse estudo tem limitações que incluem a possibilidade de exclusão inadvertida de alguns artigos que utilizam a ciência cidadã para abordar a equidade em saúde. Alguns estudos podem envolver membros da comunidade em processos de pesquisa participativa sem usar explicitamente o termo “ciência cidadã” ou os termos de busca utilizados nesta revisão. Embora tenham sido incluídos outros termos na busca por palavras-chave, a maioria dos estudos na amostra final tende a usar o termo “ciência cidadã” em algum lugar do texto. No entanto, esta revisão aborda especificamente pesquisas que utilizam o termo “ciência cidadã” para descrever o envolvimento de membros individuais da comunidade no processo de pesquisa como estratégia para abordar a equidade em saúde.

Conclusões

A ciência cidadã é uma abordagem poderosa para lidar com os principais determinantes das desigualdades em saúde, especialmente aqueles originados de determinantes ambientais físicos e sociais adversos. O uso da ciência cidadã para promover a equidade em saúde comumente se concentram, a partir da revisão sistemática, em exposições a poluentes ambientais, alimentação saudável, atividade física e os fatores físicos e sociais relevantes a eles. Recomendações para avançar o campo da ciência cidadã no enfrentamento da equidade em saúde incluem:

  1. ampliar o foco para temas críticos para a equidade em saúde; 
  2. aumentar a diversidade entre as pessoas que atuam como cientistas cidadãos; 
  3. continuar aproveitando as tecnologias emergentes para facilitar a coleta, processamento e visualização de dados;
  4. aumentar o rigor dos métodos de avaliação. 

No final das contas, a promessa da ciência cidadã de promover a equidade em saúde reside na oportunidade que esse método de pesquisa oferece para capacitar as pessoas que enfrentam desigualdades em saúde a documentar e modificar os fatores que afetam negativamente sua saúde e a saúde de suas comunidades.

Por que indicamos esse artigo

1. Explicação do conceito da ciência cidadã: O artigo oferece uma visão ampla da ciência cidadã como uma abordagem inovadora para enfrentar as desigualdades em saúde, e explorando os conceitos acerca do tema.

2. Colaboração entre comunidades e pesquisadores: O artigo destaca o papel da parceria entre comunidades e pesquisadores na ciência cidadã, mostrando exemplos concretos de como eles trabalham juntos para coletar dados, interpretar resultados e propor mudanças nas políticas e práticas.

3. Exemplos práticos de projetos de ciência cidadã: O artigo apresenta uma variedade de estudos de caso que ilustram como os cidadãos cientistas estão abordando questões relacionadas à exposição a poluentes ambientais, atividade física e alimentação saudável em suas comunidades.

4. Ferramentas e métodos inovadores: O artigo descreve as várias ferramentas e métodos utilizados pelos cidadãos cientistas para coletar dados, desde sensores de ar e kits de teste de qualidade da água até aplicativos móveis e tecnologias emergentes como a geração de linguagem natural.

5. Recomendações para avançar a ciência cidadã: O artigo apresenta recomendações práticas para impulsionar o campo da ciência cidadã, incluindo a ampliação do foco em tópicos críticos para a equidade em saúde, o aumento da diversidade dos cidadãos cientistas e a integração deles em fases adicionais da pesquisa.

6. Potencial transformador da ciência cidadã: O artigo enfatiza como a ciência cidadã tem o potencial de capacitar as comunidades a documentar e modificar fatores que afetam negativamente sua saúde, contribuindo para mudanças positivas e sustentáveis em nível local.

7. Discussão atualizada sobre ciência cidadã: O artigo é baseado em uma revisão sistemática minuciosa que contém publicações recentes, fornecendo uma visão atualizada sobre as tendências, os desafios e as oportunidades no campo da ciência cidadã e sua relação com a equidade em saúde.

Cristina (Tina) Guimarães
Políticas públicas e advocacy em saúde

Profissional com sólida formação acadêmica na área de Demografia da Saúde, experiência acadêmica e de pesquisa na área de saúde populacional com grupos de advocacy e quase 10 anos de experiência em trabalhos de pesquisa e consultoria em políticas de saúde no Brasil e no exterior, Tina Guimarães fundou sua própria consultoria em janeiro de 2020. Seu trabalho é centrado nos pilares de ampliação do conhecimento, por meio de cursos e treinamentos, e projetos de consultoria personalizados, centrados no trabalho em rede para a mudança política. 

Tina Guimarães é Bacharel em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Doutora em Demografia pelo Cedeplar/UFMG e Pós-Doutora pela Universidade de São Paulo. É também professora de Políticas de Saúde no MBA de Economia e Avaliação de Tecnologias de Saúde da FIPE. Dentre suas experiências anteriores como docente ainda estão: EAD em Políticas de Saúde no MBA de Pesquisa Clínica do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (PROADI-SUS); Professora no MBA de Avaliação de Tecnologias em Saúde do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (PROADI-SUS),no MBA de Gestão Atuarial da FIPECAFI e professora de Demografia no Curso de Ciências Atuariais da Universidade de São Paulo.

Cristina (Tina) Guimarães
Políticas públicas e advocacy em saúde

Profissional com sólida formação acadêmica na área de Demografia da Saúde, experiência acadêmica e de pesquisa na área de saúde populacional com grupos de advocacy e quase 10 anos de experiência em trabalhos de pesquisa e consultoria em políticas de saúde no Brasil e no exterior, Tina Guimarães fundou sua própria consultoria em janeiro de 2020. Seu trabalho é centrado nos pilares de ampliação do conhecimento, por meio de cursos e treinamentos, e projetos de consultoria personalizados, centrados no trabalho em rede para a mudança política. 

Tina Guimarães é Bacharel em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Doutora em Demografia pelo Cedeplar/UFMG e Pós-Doutora pela Universidade de São Paulo. É também professora de Políticas de Saúde no MBA de Economia e Avaliação de Tecnologias de Saúde da FIPE. Dentre suas experiências anteriores como docente ainda estão: EAD em Políticas de Saúde no MBA de Pesquisa Clínica do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (PROADI-SUS); Professora no MBA de Avaliação de Tecnologias em Saúde do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (PROADI-SUS),no MBA de Gestão Atuarial da FIPECAFI e professora de Demografia no Curso de Ciências Atuariais da Universidade de São Paulo.

Cristina (Tina) Guimarães
Políticas públicas e advocacy em saúde

© 2023 – Todos direitos reservados.

São Paulo – SP, Brasil.