QUINTA
CIENTÍFICA

DIA 15 Junho

Ciência Cidadã para Saúde Pública

Ciência Cidadã para Saúde Pública

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Este texto é baseado na resenha do seguinte artigo: Den Broeder L, Devilee J, Van Oers H, Schuit AJ, Wagemakers A. Citizen Science for public health. Health Promot Int. 2018 Jun 1;33(3):505-5.

Contextualização

Este estudo discute o valor da Ciência Cidadã na saúde pública. Embora o termo esteja ganhando mais relevância na literatura nos anos recentes, este artigo foi um dos primeiros a considerar formas de abordar a ciência cidadã na saúde pública, e os desafios inerentes a esse tipo de pesquisa nessa área. Um dos pontos colocados pelos autores é que o engajamento comunitário é mais fácil quando dito do que feito. Uma das razões para essa dificuldade é que a política de saúde é produzida por meio de um processo complexo que resulta em políticas que podem não parecer relacionadas com as necessidades das pessoas. O artigo, então, aborda uma questão central sobre se o engajamento cidadão na produção de conhecimento seria capaz de gerar uma tomada de decisão em saúde.

Ao “beber na fonte” de campos de trabalho não relacionados à saúde, o artigo descreve os diferentes tipos de engajamento cidadão na pesquisa científica, ou “Ciência Cidadã”, como é chamado. Os desafios da participação cidadã nas políticas de saúde são abordados considerando a complexidade do processo de desenvolvimento de políticas e a necessidade de envolver as experiências e opiniões dos cidadãos.

Introdução

O artigo se inicia com um exemplo de um trabalho de uma comunidade local no subúrbio de Amsterdã, que propõe um projeto em que residentes locais, ou “embaixadores da saúde” coletam visões da comunidade, necessidades e preocupações sobre a saúde. Um dos valores principais desse projeto é sua abertura a quaisquer tópicos de saúde que sejam percebidos como importantes pelas pessoas da comunidade. Os proponentes do projeto discutem as ideias com o conselho do distrito. O conselho é entusiástico sobre a ideia, mas solicita que o projeto tenha o foco no sobrepeso, uma vez que as taxas de obesidade estão altas. Leva algum tempo para que o conselho do município abandone a ideia: a despeito das altas taxas de obesidade, ela pode não ser a principal prioridade dos residentes nesta comunidade, e discussões com a comunidade acabam por levantar outras questões importantes para eles.

Esta anedota ilustra os desafios colocados pela participação cidadã nas políticas de saúde pública. Por um lado, os formuladores de políticas ou tomadores de decisão querem fazer um link com as necessidades da população. De fato, na Holanda este desejo sustenta mudanças políticas recentes, movendo de responsabilidades em nível nacional no domínio social e na área da saúde para os municípios, e promovendo abordagens participativas com mais frequência que aquelas realizadas por profissionais.

Por outro lado, o desenvolvimento da política é um processo complexo. Os formuladores de políticas podem se referir a dados epidemiológicos para encontrar prioridades (como no caso descrito das taxas de obesidade no distrito de Amsterdã), mas a utilização de tal conhecimento não é uma implementação direta. Evidência é apenas um dos muitos fatores no processo de criar políticas de promoção da saúde. Como resultado, as políticas podem não refletir, necessariamente, as visões e experiências dos cidadãos no dia a dia e, mesmo que sejam bem consideradas, os cidadãos podem não reconhecer as políticas como sendo relevantes para eles. Isso pode ser especialmente relevante em países como a Holanda, onde a gestão local não é eleita por representantes dos residentes, e sim por servidores públicos escolhidos por oficiais do governo (para uma análise sobre como os diferentes países organizam o seu sistema de saúde público, veja o Observatório de Políticas e Sistemas de Saúde da Europa).

O engajamento cidadão no desenvolvimento de conhecimento, ou “Ciência Cidadã”, pode se provar útil nestes contextos. A ciência cidadã é definida como “engajamento do público em geral em atividades de pesquisa científica quando cidadãos contribuem ativamente para ciência ou com seu esforço intelectual ou como um conhecimento subjacente, ou com suas ferramentas e recursos”, de acordo com a definição da Socientize Consortium. Ele foi desenvolvido inicialmente como uma forma de facilitar a coleta de dados, principalmente no campo de ciências naturais. Desde então, a ciência cidadã tem se desenvolvido em outros campos de trabalho, por exemplo na pesquisa histórica, desenvolvimento de tecnologia, e ciências sociais.

O objetivo deste artigo, então, é explorar o valor da Ciência Cidadã na saúde pública. Os autores iniciam com a descrição das abordagens de ciência cidadã, discutem os desafios para aplicação desta ciência na pesquisa em saúde pública, discutem como a ciência cidadã poderia promover um melhor engajamento nas políticas de saúde e melhor saúde, e finalmente oferece uma abordagem de avaliação desta ciência.

Tipologia da Ciência Cidadã

A Ciência Cidadã pode ser classificada de acordo com diferentes taxonomias:

  • Uma delas considera o número e a abrangência dos participantes, bem como o investimento de tempo e recursos.
  • Outra classificação baseia-se nos objetivos dos projetos, como ação, conservação, investigação, virtual ou educação.
  • Uma terceira taxonomia leva em conta o nível de engajamento voluntário dos cidadãos, variando desde o crowdsourcing até a Ciência Cidadã “extrema”.

Essas taxonomias foram combinadas em um quadro descritivo que considera o objetivo do engajamento, o nível de participação e o tamanho geográfico dos projetos de Ciência Cidadã.

Das tipologias originais foram excluídas a dicotomia local ou remota (virtual). Muito provavelmente, em um futuro próximo, o número de projetos (parcialmente) remotos crescerá e será possível que projetos locais também sejam virtuais (nota da Tina: este artigo foi escrito antes da pandemia de Covid-19, então possivelmente este campo já avançou). Além disso, esse recurso se sobrepõe ao ‘tamanho’. Também foi excluída a característica de “exaustividade”, pois as condições e circunstâncias definem a necessidade de capacidade de pesquisa, que não é uma característica central dos projetos de ciência cidadã em si.

Características descritivas da Ciência Cidadã

Objetivos1. Investigação: visa responder a questões científicas
2. Educação: visa objetivos educacionais
3. Bens coletivos: saúde pública, gestão de doenças infecciosas, proteção e gestão de recursos naturais.
4. Ação: cidadãos e cientistas colaboram para abordar preocupações locais  
AbordagensCiência Cidadã Extrema: cidadãos responsáveis pela definição do problema, coleta e análise de dados, interpretação e desenvolvimento do conhecimento.
Ciência Participativa: Participação dos cidadãos na definição do problema e na coleta de dados.
Inteligência Distribuída
a. Cidadãos como intérpretes básicos.
b. Pensamento voluntário.
D. Crowdsourcing
a. Cidadãos como sensores.
b. Computação voluntária.  
TamanhoLocal
Massa

Dois exemplos – o projeto “Galaxy Zoo” e o projeto “Arctic Hunters” – mostram como essa abordagem pode ser aplicada.

Galaxy Zoo

O projeto “Galaxy Zoo” foi iniciado em 2007, envolvendo mais de 200.000 cidadãos na classificação de imagens de galáxias do Sloan Digital Sky Survey, com o objetivo de ampliar a capacidade de pesquisa. O projeto é vinculado ao “Zooniverse” e gerou atividades educacionais adicionais. Seguindo a tabela, o projeto foi caracterizado como 1Caii:

  • Objetivo: investigação
  • Abordagem: inteligência distribuída, cidadão como intérpretes básicos,
  • Tamanho: massa.

Arctic Hunters

Já o projeto “Arctic Hunters” busca utilizar recursos digitais para auxiliar os caçadores costeiros árticos a lidar com as mudanças climáticas. Ele combina conhecimento tradicional ecológico com a expertise científica, desenvolvendo uma tecnologia móvel que incorpora diferentes perspectivas sobre o gelo marinho. O projeto é desenhado em colaboração com a comunidade, refletindo suas práticas de caça, métodos de aprendizagem e conhecimento. De acordo com a tabela, o projeto foi caracterizado com o código 4Aii:

  • Objetivo: pesquisa-ação,
  • Abordagem: ciência cidadã extrema,
  • Tamanho: local.

Benefícios relatados da ciência cidadã

A ciência cidadã proporciona benefícios para cientistas, formuladores de políticas, pessoas comuns e comunidades. Esses benefícios podem ser agrupados em três categorias principais: aumento da capacidade de pesquisa, melhoria do conhecimento e benefícios para os cidadãos.

  1. O aumento da capacidade de pesquisa refere-se à necessidade de mais dados e análises, o que é alcançado por meio da distribuição da carga de trabalho entre um grande número de participantes. Isso é especialmente útil em projetos que exigem coleta massiva de dados, onde a ciência cidadã é considerada ideal. Um exemplo é o projeto holandês onde pessoas comuns ajudam a decifrar cartas antigas.
  • A busca por um melhor conhecimento é impulsionada pela ideia de que o conhecimento leigo, local e tradicional pode complementar o conhecimento científico, resultando em uma resposta mais eficaz a problemas sociais complexos. Além disso, o envolvimento dos cidadãos pode levar a estratégias de pesquisa aprimoradas e a novos métodos de pesquisa. O conhecimento produzido pela ciência cidadã é considerado mais socialmente robusto, aceitável e confiável para o público em geral.
  • Os participantes comuns da ciência cidadã também se beneficiam de várias maneiras. A participação em projetos científicos aumenta o conhecimento sobre o assunto estudado, melhora a compreensão geral da ciência e desenvolve novas habilidades e capacidades. Essa “alfabetização científica” é valorizada pelos participantes e muitos projetos de ciência cidadã buscam alcançar esses objetivos. Por exemplo, o projeto E-bird oferece novos conhecimentos e habilidades aos observadores de pássaros amadores, melhorando a qualidade dos dados coletados.

Em resumo, a ciência cidadã beneficia a pesquisa, o conhecimento e os cidadãos, promovendo uma colaboração efetiva entre cientistas e comunidades para abordar questões científicas complexas.

Benefícios do participante da Ciência Cidadã

  • Aumento do conhecimento e da alfabetização científica (por exemplo, conhecimento de conteúdo científico, aplicações da ciência, riscos e benefícios da ciência, familiaridade com tecnologia científica)
  • Maior compreensão do processo e do método científico
  • Melhor acesso às informações científicas (por exemplo, interação direta com cientistas, acesso a informações em tempo real sobre variáveis científicas locais)
  • Aumento do pensamento científico (por exemplo, habilidade de formular um problema com base em observação, desenvolver hipóteses, planejar um estudo e interpretar resultados)
  • Melhor capacidade de interpretar informações científicas (por exemplo, habilidades de pensamento crítico, compreensão de medidas analíticas básicas)
  • Desmistificação da ciência (por exemplo, redução do “fator de intimidação” da ciência, correção de percepções de que a ciência é muito complexa ou complicada, aumento do conforto e apreciação pela ciência)
  • Fortalecimento das conexões entre pessoas, natureza e lugar (por exemplo, conexão emocional e preocupação com o lugar, estabelecimento de redes de monitoramento comunitário ou grupos de defesa)
  • Empoderamento dos participantes e aumento da autoeficácia (por exemplo, crença na própria capacidade de lidar com problemas e questões científicas, chegar a conclusões válidas e desenvolver soluções adequadas)
  • Aumento na construção de comunidades, capital social, aprendizado social e confiança (por exemplo, a ciência como uma ferramenta para melhorar redes, fortalecer o aprendizado mútuo e aumentar o capital social entre grupos diversos)
  • Mudanças nas atitudes, normas e valores (por exemplo, em relação ao meio ambiente, à ciência, às instituições)
  • Cidadãos cientistas agem para influenciar políticas e/ou melhorar o ambiente de vida
  • Cidadãos cientistas têm acesso a redes mais amplas (formulação de políticas)

Alguns autores mencionam benefícios não cognitivos da ciência cidadã, como o desenvolvimento comunitário, o empoderamento, a mudança de atitudes, valores e normas, a ação para melhorar o meio ambiente e o envolvimento na formulação de políticas. Os pesquisadores leigos utilizam e aplicam o conhecimento adquirido, esforçando-se para promover mudanças em seu ambiente e comportamento. Relatos indicam que a ciência cidadã tem um valor educacional que contribui para reduzir a exclusão social.

Precursores da Ciência Cidadã em Saúde Pública

Recentemente, houve um aumento significativo no uso da ciência cidadã devido à necessidade de coletar grandes quantidades de dados, ao crescente reconhecimento e valorização da contribuição de pessoas comuns e ao desenvolvimento tecnológico. No entanto, a ciência cidadã é pouco comum na área da saúde pública, com poucos projetos relacionados a essa área. A maioria das atividades de ciência cidadã é realizada nas áreas de biologia, conservação e ecologia, e projetos em outros campos podem não ser divulgados, uma vez que não têm o foco principal no avanço científico.

Algumas abordagens na pesquisa em saúde pública se assemelham à ciência cidadã, como a pesquisa de ação (participativa). Essa abordagem envolve um processo participativo que busca desenvolver conhecimento prático em busca de propósitos humanos válidos. Ela busca combinar ação, reflexão, teoria e prática, em colaboração com outros, para encontrar soluções práticas para questões urgentes das pessoas e promover o bem-estar individual e comunitário.

A pesquisa de ação participativa é considerada uma abordagem de ciência cidadã, embora não sejam exatamente a mesma coisa. Enquanto a pesquisa de ação enfoca a tomada de medidas para promover mudanças sociais, abordar problemas específicos e desenvolver intervenções, a ciência cidadã pode ser realizada sem um foco pré-definido em ação. Nas ciências da saúde, a pesquisa participativa envolve a colaboração entre pesquisadores, membros da comunidade, pacientes, profissionais de saúde e outras partes interessadas, o que se assemelha a um forte envolvimento dos cidadãos. Na ciência cidadã, os cidadãos também podem se envolver em atividades de pesquisa de maneiras menos intensivas.

Outras abordagens semelhantes incluem a “epidemiologia popular”, em que leigos colaboram com especialistas na coleta de dados, principalmente ambientais, relacionados a resultados específicos de saúde, e a “ciência de rua”, um processo em que as comunidades participam ativamente na identificação de problemas, formulação de perguntas de pesquisa e tomada de decisões sobre o desenho do estudo. Assim como a pesquisa de ação (participativa), essas abordagens estão fortemente ligadas à mobilização social e à resolução de problemas. Um processo relacionado é a Avaliação de Impacto à Saúde (Health Impact Assessment – HIA), onde o envolvimento da comunidade pode ser incorporado em todas as etapas da HIA.  

Desafios para a aplicação da ciência cidadã em saúde pública

O desenvolvimento da ciência cidadã em saúde pública pode se beneficiar dos exemplos mencionados anteriormente e aprender com eles. Considerando que as questões de saúde pública estão intimamente ligadas à nossa vida pessoal, questões éticas como propriedade de dados e consentimento informado (tanto comunitário quanto individual) são urgentes nesse campo. Além disso, as questões de saúde pública podem gerar controvérsias públicas, como no caso da pecuária em larga escala, em que é necessário equilibrar o desenvolvimento econômico de uma região com os possíveis impactos na saúde, como danos ambientais ou riscos de transmissão de zoonoses. Nessas situações, a distinção entre o desenvolvimento do conhecimento, a defesa ou o ativismo político pode se tornar confusa. Isso pode resultar em desconfiança na ciência, como algo que pode ser manipulado com base nas preferências das partes interessadas, ao invés de promover um diálogo genuíno e uma melhor compreensão da ciência. Portanto, estabelecer conexões entre cidadãos e especialistas, ao mesmo tempo em que se garante a qualidade da pesquisa, requer uma gestão cuidadosamente equilibrada dos processos de pesquisa em ciência cidadã (Van Buuren et al., 2007).

Além dessas questões fundamentais, a aplicação da ciência cidadã em saúde pública enfrenta uma série de desafios adicionais, em parte relacionados, quando colocada em prática:

  • Em primeiro lugar: as pessoas comuns têm diversas razões para se envolverem em pesquisas científicas, conforme mostrado por estudos sobre as motivações dos participantes da ciência cidadã. Essas motivações incluem interesse intrínseco no tema, pertencer a uma comunidade, contribuir/ajudar, aprender ou desfrutar das atividades de pesquisa. Os projetos de ciência cidadã utilizam diferentes estratégias de engajamento para atrair participantes. Essas motivações se assemelham às encontradas em estudos sobre voluntários na promoção da saúde, indicando um desejo de contribuir para um objetivo maior, desenvolvimento pessoal, ajudar os outros quando solicitado e ser um exemplo para os demais. Portanto, as estratégias de engajamento da ciência cidadã de outros campos podem ser aplicadas com sucesso na pesquisa em saúde pública.
  • Em segundo lugar: ao engajar pessoas comuns, será que elas realmente representam o grupo que precisa ser representado, seja geograficamente ou socialmente? Brown, por exemplo, observa que as mulheres frequentemente desempenham um papel importante na epidemiologia popular, o que ele atribui aos papéis (familiares) das mulheres combinados com uma visão de mundo centrada nos relacionamentos e, portanto, uma maior consciência do potencial impacto de fatores tóxicos na saúde (Brown, 1997). Essa sobre ou sub-representação pode afetar os resultados do estudo. Em projetos de ciência cidadã controlados pelos pesquisadores, nos quais são coletados dados em massa, isso pode não ser um problema importante. De fato, pesquisas em larga escala em que os cidadãos atuam como “sensores” já são aplicadas na epidemiologia, por exemplo, em estudos nos quais as pessoas usam dispositivos de medição. Em estudos em pequena escala e mais participativos, a seleção de pesquisadores leigos pode causar viés. No entanto, também pode ser uma vantagem: pesquisadores leigos podem acessar populações de estudo “difíceis de alcançar” como “pesquisadores pares”.
  • Em terceiro lugar: como equilibrar o valor científico e social do conhecimento gerado pela ciência cidadã? E os voluntários possuem habilidades e competências adequadas? A conciliação entre as visões dos profissionais e das pessoas comuns – uma visão sistêmica versus a realidade vivenciada – pode ser desafiadora. Os pesquisadores às vezes desqualificam os resultados da pesquisa feita por leigos como não científicos. O treinamento pode ser uma solução, frequentemente presente em projetos de ciência cidadã. Outra solução é promover o diálogo entre cientistas e pessoas comuns, ampliando o escopo da pesquisa e gerando informações sobre as características comunitárias que são essenciais para entender os problemas de saúde da comunidade. Esse diálogo pode até levar a inovações metodológicas, como a inclusão de novos indicadores observacionais para complementar os indicadores de saúde existentes, conforme observado em um estudo com residentes locais em Amsterdã, na Holanda.
  • Em quarto lugar: a ciência cidadã por si só não garantirá o desenvolvimento participativo de políticas. No entanto, projetos de pesquisa mais orientados pela comunidade têm o potencial de capacitar as pessoas a participarem na elaboração de políticas locais. Os cidadãos consideram o acesso à informação e ao conhecimento como uma condição essencial para a participação, e estudos mostram que a participação da comunidade no controle da pesquisa está relacionada a uma maior ação para melhorar a saúde. A participação em atividades de pesquisa pode fortalecer o senso de comunidade e promover novos valores e normas comunitárias, impulsionando o engajamento nas políticas de saúde. Um exemplo é a abordagem “Our Voice”, em que os residentes são capacitados a coletar dados principalmente sobre como o ambiente influencia ou dificulta o exercício físico. Essa abordagem tem levado a ações concretas para melhorar o ambiente e à participação na elaboração de políticas locais. A ciência cidadã pode aumentar a “alfabetização em saúde” dos participantes e melhorar seu senso de coerência, promovendo assim uma melhor saúde. Em nível comunitário, a ciência cidadã pode fortalecer os valores e a coesão social, fatores importantes para a saúde da comunidade.

As Avaliações de Impacto à Saúde (HIAs) exemplificam como alguns benefícios potenciais da ciência cidadã, como o empoderamento dos residentes, são buscados ativamente (ver a seguir “Exemplos de casos de benefícios de CS na avaliação de impacto na saúde”). No contexto das HIAs, surgem discussões sobre as vantagens e desvantagens do envolvimento dos cidadãos, que se assemelham a questões similares na ciência cidadã em geral. Tópicos como a seleção dos cidadãos participantes, suas competências e o valor do conhecimento coletado por ou com os cidadãos são abordados. Essas questões e suas implicações científicas, políticas e éticas devem ser consideradas tanto na prática da ciência cidadã quanto nas HIAs.

Exemplos de casos de benefícios de CS na avaliação de impacto na saúde

  1. Envolvimento dos cidadãos (moradores)   

Representantes da comunidade (comunidade aborígene) participaram do Grupo de Orientação de HIA e decidiram sobre o escopo os métodos de uma HIA em um amplo conjunto de medidas governamentais para proteger crianças e famílias (NTER). Os indicadores de impacto na saúde são baseados o conceito aborígene de saúde (Associação de Médicos Indígenas da Austrália e Centro de Treinamento em Equidade em Saúde, 2010).

  • Inclusão de conhecimento leigo e local      

O conhecimento experiencial da comunidade foi fundamental para especificar as relações entre os determinantes sociais considerados significativos pela saúde mental comunitária, individual e comunitária. Os caminhos assim desenvolvidos serviram de base para uma HIA sobre política relativa ao uso de registros de prisão em decisões de emprego. (Todman e outros, 2013).

  • Maior capacidade de pesquisa

Representantes da comunidade coletam dados sobre as qualificações dos residentes sobre a situação atual e experiências com cortes anteriores nos serviços de ônibus (pesquisa, entrevista) em uma HIA no transporte público (Departamento de Saúde Pública do Condado de Alameda, 2013).

  • Alfabetização em saúde

Os residentes envolvidos em uma HIA sobre a política local de controle de riscos à saúde receberam informações sobre estruturas legais, políticas e riscos à saúde. Eles relataram maior conhecimento sobre os riscos à saúde, os determinantes sociais da saúde e a necessidade de abordá-los (Inmuong et al. 2011).

  • Fortalecimento

Os residentes que representam uma comunidade local avaliaram os impactos potenciais na saúde de um plano para criar uma área de recreação ao ar livre nas proximidades, usando a visão de saúde da comunidade local como ponto de partida. Eles prepararam um conjunto de recomendações fornecendo pontos de atenção e propostas para adaptar o plano do projeto (Eaton e Cameron, 2008).

  • Construção de comunidade, capital social, aprendizagem social, confiança

Uma HIA sobre uma política de transporte regional explicitamente voltada para a construção de relações de trabalho conjunto entre a comunidade e diferentes agências. Os avaliadores do HIA observaram que alguns, embora não todos, os membros da comunidade pensaram que isso foi realizado (Kearns e Pursell, 2007).

  • Mudanças de atitudes, normas, valores

A HIA de remediação de um antigo local industrial incluiu treinamento em HIA de membros da comunidade. Isto resultou numa atitude mais positiva em relação à HIA (Lester et al. 2003).

8. Participação na governança da saúde pública              

9. Senso de Coerência

10. Saúde da comunidade

Direções futuras para a ciência cidadã em saúde pública

A ciência cidadã em saúde pública tem se mostrado uma abordagem promissora para envolver os cidadãos no desenvolvimento de políticas. Diferentes métodos deliberativos têm sido utilizados, mas a ciência cidadã se destaca por envolver os participantes por um período mais longo, permitindo o desenvolvimento conjunto de conhecimento.

No entanto, existem desafios a serem enfrentados, como a ponderação das necessidades locais em relação às necessidades mais amplas e a garantia de uma participação genuína dos cidadãos.

Apesar dessas questões, a ciência cidadã tem potencial para contribuir significativamente para a pesquisa em saúde pública, especialmente no campo das doenças infecciosas e monitoramento ambiental. Além disso, ela pode informar os formuladores de políticas sobre as percepções e opiniões dos residentes, fortalecendo sua participação nos processos de formulação de políticas e promovendo a literacia em saúde, o empoderamento e a coesão comunitária.

Por que recomendamos este artigo:

1. Compreensão da Ciência Cidadã na saúde pública: O artigo fornece uma introdução abrangente sobre o conceito de Ciência Cidadã e seu valor na saúde pública. Ele explora como a participação ativa dos cidadãos pode promover um melhor engajamento nas políticas de saúde e oferece abordagem de avaliação para sua aplicação.

2. Tipologias da Ciência Cidadã: O artigo descreve diferentes taxonomias utilizadas para classificar a Ciência Cidadã, levando em consideração o número de participantes, objetivos dos projetos e níveis de engajamento dos cidadãos. Essas tipologias ajudam a compreender a diversidade e complexidade da Ciência Cidadã e fornecem uma visão geral dos diferentes tipos de projetos.

3. Exemplos práticos: O artigo apresenta dois exemplos concretos de projetos de Ciência Cidadã – o “Galaxy Zoo” e o “Arctic Hunters”. Esses casos ilustram como a abordagem de avaliação pode ser aplicada na prática e demonstram os benefícios e o potencial da Ciência Cidadã em diferentes contextos.

4. Benefícios da Ciência Cidadã: O artigo destaca os benefícios da Ciência Cidadã para cientistas, formuladores de políticas, leigos e comunidades. Isso inclui o aumento da capacidade de pesquisa, o enriquecimento do conhecimento científico com perspectivas locais, o fortalecimento da alfabetização científica dos participantes e o potencial de desenvolvimento comunitário e empoderamento.

5. Desafios e direções futuras: O artigo aborda os desafios enfrentados pela Ciência Cidadã em saúde pública, como a representatividade dos participantes, a avaliação do conhecimento gerado e a conexão com as políticas de saúde. Ele também discute as direções futuras da Ciência Cidadã nesse campo, destacando seu potencial para contribuir na pesquisa de doenças infecciosas, monitoramento ambiental e fortalecimento da participação dos cidadãos nos processos de formulação de políticas.

Cristina (Tina) Guimarães
Políticas públicas e advocacy em saúde

Profissional com sólida formação acadêmica na área de Demografia da Saúde, experiência acadêmica e de pesquisa na área de saúde populacional com grupos de advocacy e quase 10 anos de experiência em trabalhos de pesquisa e consultoria em políticas de saúde no Brasil e no exterior, Tina Guimarães fundou sua própria consultoria em janeiro de 2020. Seu trabalho é centrado nos pilares de ampliação do conhecimento, por meio de cursos e treinamentos, e projetos de consultoria personalizados, centrados no trabalho em rede para a mudança política. 

Tina Guimarães é Bacharel em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Doutora em Demografia pelo Cedeplar/UFMG e Pós-Doutora pela Universidade de São Paulo. É também professora de Políticas de Saúde no MBA de Economia e Avaliação de Tecnologias de Saúde da FIPE. Dentre suas experiências anteriores como docente ainda estão: EAD em Políticas de Saúde no MBA de Pesquisa Clínica do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (PROADI-SUS); Professora no MBA de Avaliação de Tecnologias em Saúde do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (PROADI-SUS),no MBA de Gestão Atuarial da FIPECAFI e professora de Demografia no Curso de Ciências Atuariais da Universidade de São Paulo.

Cristina (Tina) Guimarães
Políticas públicas e advocacy em saúde

Profissional com sólida formação acadêmica na área de Demografia da Saúde, experiência acadêmica e de pesquisa na área de saúde populacional com grupos de advocacy e quase 10 anos de experiência em trabalhos de pesquisa e consultoria em políticas de saúde no Brasil e no exterior, Tina Guimarães fundou sua própria consultoria em janeiro de 2020. Seu trabalho é centrado nos pilares de ampliação do conhecimento, por meio de cursos e treinamentos, e projetos de consultoria personalizados, centrados no trabalho em rede para a mudança política. 

Tina Guimarães é Bacharel em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Doutora em Demografia pelo Cedeplar/UFMG e Pós-Doutora pela Universidade de São Paulo. É também professora de Políticas de Saúde no MBA de Economia e Avaliação de Tecnologias de Saúde da FIPE. Dentre suas experiências anteriores como docente ainda estão: EAD em Políticas de Saúde no MBA de Pesquisa Clínica do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (PROADI-SUS); Professora no MBA de Avaliação de Tecnologias em Saúde do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (PROADI-SUS),no MBA de Gestão Atuarial da FIPECAFI e professora de Demografia no Curso de Ciências Atuariais da Universidade de São Paulo.

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