A experiência de sucesso da Plataforma de Organizações de Pacientes

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O movimento de organizações da sociedade civil na Espanha começou com a democracia nos anos 1980, de forma voluntária, e foi se desenvolvendo ao longo dos últimos 30 anos, com maior profissionalização das associações e amadurecimento dos trabalhos. Na visão de Maria Galvez Sierra, diretora da Plataforma, e Pedro Carrascal, CEO da Associação de Esclerose Múltipla da Espanha, foi isso que permitiu que o trabalho em rede se tornasse mais bem-sucedido.

Por volta de 2012, ainda bastante afetadas após a crise econômica que assolou a Espanha entre 2008-2009, as associações de pacientes se viram bastante preocupadas com o sistema de saúde no pós-crise, e começaram a se unir, timidamente, para comunicação e posicionamento conjunto ao governo, em diferentes questões que impactavam a vida dos pacientes, como o acesso a medicamentos e intercambialidade de biossimilares, entre outros.

No mesmo ano, ante à ameaça de aprovação de uma lei que retirava direitos já adquiridos dos pacientes em relação à gratuidade de medicamentos prescritos, as associações decidiram se unir de forma ainda mais organizada para analisar temas que os preocupavam em relação às políticas públicas, como continuidade assistencial.

Em paralelo aos esforços para fazer frente à crise, já havia uma inquietude das organizações de pacientes crônicos nacionais, especialmente daquelas mais antigas e profissionalizadas, quanto à necessidade de uma coordenação entre elas para respostas tanto ao Ministério da Saúde quanto a governos estaduais. Era necessário ter uma estrutura que pudesse dar mais agilidade e visibilidade às ações. Em outras partes da Europa as organizações de pacientes estavam um pouco mais estruturadas do que na Espanha e havia uma grande oportunidade na necessidade das administrações públicas de encontrar interlocutores válidos e corresponsáveis pelas decisões, como era o caso da Agência Europeia de Medicamento (European Medicine Agency).

O processo de constituição formal da Plataforma de Organizações de Pacientes:

Em 2014 foi tomada a decisão de estruturar juridicamente a Plataforma, impulsionada pela quantidade de atividades que sucederam as comunicações e posicionamentos, bem como o aumento do compartilhamento de iniciativas a partir de preocupações e necessidades em comum.

Um grupo composto de 19 entidades – que já se conheciam de outros eventos e trabalhos – se reuniu e elaborou um plano de ação simples, com uma visão estratégica de como trabalhariam em conjunto e que processo deveria constituir esse formato de trabalho. Além disso, definiram os assuntos-chave com os quais trabalhariam, sua missão, valores, razões para constituir essa nova organização, as linhas estratégicas que iriam seguir e quais pontos em comum iriam trabalhar. O que deu muita força no início foi que as entidades que formaram a Plataforma já existiam há muito tempo, estavam bem posicionadas no sistema de saúde e tinham uma grande trajetória. No estatuto foi incluído que as entidades que formassem parte da rede deveriam ter caráter público, com representação em pelo menos seis regiões da Espanha (1/3 das comunidades autônomas ou, no caso do Brasil, cerca de 9 estados). O objetivo disso era mostrar que a entidade tinha credibilidade, uma estrutura potente.

Uma vez criado o plano de trabalho em conjunto e definidas as linhas estratégicas de ação, a Plataforma foi constituída juridicamente. Foi incluído o maior número possível de organizações para que fosse realmente o nascimento de uma plataforma muito sólida. Esse foi um passo importante para que a Plataforma fosse adiante e tivesse reconhecimento por parte da administração pública.

Os primeiros trabalhos em conjunto

Uma das linhas estratégicas da Plataforma era a geração de conhecimento sobre a situação das pessoas com doenças crônicas e, para isso, precisavam desenvolver estudos, gerar evidências e alinhar esse conhecimento com todas as organizações, para que pudessem defender suas linhas de atuação. Dessa forma, os primeiros projetos foram direcionados à geração de evidências, como o projeto Barômetro Crônicos, em conjunto com a Universidade Complutence de Madri, em que encaminhavam um questionário aos pacientes para que dessem sua opinião sobre temas de interesse, por exemplo, em relação ao impacto de políticas públicas ou continuidade assistencial.

Governança atual:

Atualmente a Plataforma conta com 27 organizações, 1300 associações e 580 mil sócios em todo o território espanhol. A estrutura é dada por:

Conselho Executivo: composta pela presidência, vice-presidência, tesouraria e secretaria. É eleita pelo Conselho Administrativo e se reúne a cada 15 dias para tratar das estratégias, dos projetos e avanços nas relações institucionais.

Conselho Administrativo: composta por representantes de 10 organizações das 27 existentes. É eleita pela Assembleia e se reúne uma vez por mês.

Assembleia: composta por todas as organizações, que se reúnem duas vezes por ano, uma vez como assembleia geral e outra durante o Congresso anual da Plataforma, que geralmente acontece em outubro. Em virtude da pandemia, o Congresso não deve ocorrer neste ano.

A Plataforma se mantém com financiamento privado, de fundações e empresas, uma pequena parte de financiamento público e recursos próprios oriundos de uma cota simbólica paga pelas organizações-membros.

Alianças com outros atores:

Desde o início do trabalho em rede, os integrantes da Plataforma viram que para alcançarem os objetivos de forma mais rápida e ir além do que já faziam, necessitavam do apoio dos profissionais de saúde e da assistência social, com os quais já trabalhavam ou com os quais os pacientes interagiam. Para viabilizar este trabalho em conjunto, criaram o Observatório da Atenção ao Paciente, liderado pela Plataforma e onde foram incluídas as organizações sociais, de saúde e organizações científicas mais importantes do país, com as quais firmaram convênios, colaborações e estabeleceram pautas. O objetivo da união de esforços é dar o melhor ao paciente e garantir um sistema de saúde público e eficiente, que constitui a base da missão da Plataforma, mantendo o paciente no centro da discussão.

A Plataforma também trabalha em parceria com universidades para realização de pesquisas, estabelecendo quais são os objetivos dos estudos, definição de questionários (quando se trata de pesquisa primária) e no compartilhamento da análise dos dados.

O trabalho com os poderes do governo

Executivo: a Plataforma recebe informações do Ministério da Saúde sobre as estratégias e planos em andamento, ou seja, antes de tomar a decisão sobre a criação de uma política de interesse da Plataforma, o próprio governo compartilha o documento preliminar ou os consulta, de forma que a perspectiva dos pacientes seja integrada nessas políticas. Por exemplo, antes da pandemia estavam trabalhando na estratégia de cronicidade, e na estratégia de atenção primária. Além disso, a Plataforma também é utilizada como intermediária na relação entre demandas de outros órgãos do governo ou de organizações de profissionais de saúde e o Ministério.

Legislativo: a Plataforma realiza reuniões periódicas e leva suas necessidades ao poder Legislativo. Atualmente trabalham juntos em uma proposta de lei para incluir as pessoas com alguma enfermidade crônica como pessoas vulneráveis, uma vez que já existe uma proposta de lei de criação de renda mínima na sociedade. O que eles querem é que os pacientes crônicos sejam também incluídos como pessoas vulneráveis e, então, estejam contemplados nesta lei.

O trabalho de pesquisa e geração de evidências

O trabalho de advocacy embasado em evidências é um dos pilares estratégicos da Plataforma. Segundo Pedro e María, “evidência é a base do trabalho”. Se querem traduzir necessidades em políticas públicas concretas é preciso ter dados, pois é muito mais fácil convencer a administração pública ou outra organização para que atue a partir de evidências.

Segundo os entrevistados, dados possuem um duplo valor porque, por um lado, reforçam um discurso, e podem apoiar a construção de propostas muito concretas e, por outro, representam pessoas reais (e não modelos estatísticos) e têm uma legitimidade muito importante. Neste momento de pandemia, por exemplo, a coleta desses dados de forma digital permite ter informações de pessoas e representá-las de uma forma que até então não era possível com tanta potência. Ou seja, a pandemia trouxe a oportunidade de maior contato com os pacientes para realização de pesquisas e levantamento de necessidades. Durante a pandemia, a Plataforma está realizando uma investigação para saber como o coronavírus impacta as pessoas com enfermidades, no âmbito do sistema de saúde em geral e na saúde mental, especificamente, além da questão laboral e econômica.

Para o trabalho de pesquisa com pacientes, há uma base de dados na Plataforma com pessoas interessadas nos estudos, que são acionadas para coleta de informações. O trabalho também se apoia muito nas redes sociais, nos contatos das organizações que fazem parte da Plataforma, independente do seu tamanho e representatividade. A comunicação de todas as organizações com seus pacientes para entrevistas ou pesquisas é vista como oportunidade para que as próprias organizações tenham um papel mais ativo. Ou seja, quando as organizações trabalham em conjunto, em prol de um projeto único no qual todas se envolvem junto com seus pacientes, o efeito é multiplicador e melhor do que se a Plataforma simplesmente tivesse uma base de dados única dos pacientes. Quanto mais participação e coesão, mais potente é o movimento, afirmaram.

Desafios ao longo do caminho:

Rede: o fortalecimento da rede é um trabalho que nunca se pode perder de vista; é fundamental que exista integração de todas as organizações. Uma boa prática neste sentido, adotada com êxito pela Platforma, é que por mais que seja complicado ter todo mundo representado, é muito importante que as organizações envolvidas sejam chamadas, perguntadas, consultadas, e que sejam estabelecidos mecanismos de participação em conjunto com o Conselho Administrativo e com a Assembleia.

Relação com o governo: um dos grandes desafios que no início foi estabelecer um acordo de colaboração bilateral com o Ministério da Saúde em temáticas transversais de saúde. Grande parte da dificuldade se deu por mudanças no próprio governo (foram sete ministros em cinco anos de criação da Plataforma). Estruturar o formato de trabalho em conjunto e institucionalizar a relação de trabalho entre Plataforma e Ministério torna o processo menos complicado e, no caso da Plataforma, é um processo que segue sendo revisado continuamente. Por isto um trabalho em rede dessa natureza precisa começar com muita vontade, de acordo com eles, pois talvez o período de 10 anos seja o necessário para que tudo esteja consolidado e que os entes públicos e a sociedade em geral entendam que o paciente é um ente a mais na participação social, e que precisa ser levado em consideração. É um trabalho em que dificilmente se tem algum êxito nos primeiros anos; é preciso ser muito estratégico e pensar no médio prazo.

Principais conquistas:

No trabalho em rede: Dentre os grandes êxitos da Plataforma está não tratar de uma única patologia, e nunca entrar em um tema concreto que seja de competência de uma organização, a menos que esta organização a convide para tratar desse assunto, ou solicite o apoio da Plataforma para apoiar a iniciativa.

Para pacientes crônicos: conseguiram dar muita visibilidade à doença crônica, e às necessidades em comum dos pacientes com alguma doença crônica. Além disso, deram visibilidade a temas transversais e estratégicos para muitas das organizações, como acesso à inovação e política de saúde pública de prevenção, não só de prevenção primária, mas secundária e terciária. A Plataforma também mostrou como a cronicidade é algo diferente da incapacidade, e deve ser protegida; por isso vem trabalhando muito no tema laboral.

Enquanto organização: a Plataforma conseguiu com que os pacientes fossem vistos como um agente a mais nas decisões em saúde, que fossem levados em conta pelo governo nas políticas públicas de saúde. Depois de todo o trabalho desenvolvido e do estabelecimento do processo de trabalho com o governo, há uma boa comunicação com o Ministério, que ouve a Plataforma ao desenhar as políticas. As linhas de colaboração estabelecidas com sociedades científicas e outras organizações também ajudaram a traduzir as necessidades do paciente para o poder Executivo e Legislativo.

O fato de trabalharem acima do esforço individual das organizações e acima dos interesses de cada patologia, também é visto como um fator de sucesso da Plataforma. Seu grande objetivo é que exista uma lei de proteção da cronicidade, para proteger as pessoas com enfermidades em todos os âmbitos que impactam as doenças, por exemplo no mercado de trabalho. Apontam que muitas pessoas gostariam de trabalhar, mas não têm acesso a um emprego com proteção adequada ou não têm flexibilidade no trabalho. Muitas pessoas possuem uma pensão, mas gostariam de estar no mercado de trabalho.

Considerando as dificuldades enfrentadas pelo sistema de saúde brasileiro, como o congelamento do financiamento da saúde e, agora, com a epidemia, pedi a Pedro e Maria que deixassem uma mensagem sobre a importância da união de esforços para ajudar a superar os problemas de saúde populacional.

Para conseguir mudanças, é fundamental agrupar-se e representar as necessidades de uma forma muito mais organizada. É necessário fazer interação com o restante dos grupos políticos, tanto a nível nacional quanto estadual, lidar com meios de comunicação e fazer isso de uma forma conjunta entre as organizações de pacientes. Ou se trabalha em conjunto, ou não será possível influenciar a mudança política, porque existem muitas coisas urgentes todo dia, muitos agentes sociais se comunicando com o governo; e os pacientes nunca tiveram, até agora, a capacidade de emitir uma nota de imprensa opinando sobre o que acabou de ocorrer. Os pacientes e seus representantes sempre trabalharam de forma muito mais individual, mas é necessário unir esforços, e isso só se consegue colocando as necessidades dos pacientes na agenda política e social.

Cristina (Tina) Guimarães
Políticas públicas e advocacy em saúde

Profissional com sólida formação acadêmica na área de Demografia da Saúde, experiência acadêmica e de pesquisa na área de saúde populacional com grupos de advocacy e quase 10 anos de experiência em trabalhos de pesquisa e consultoria em políticas de saúde no Brasil e no exterior, Tina Guimarães fundou sua própria consultoria em janeiro de 2020. Seu trabalho é centrado nos pilares de ampliação do conhecimento, por meio de cursos e treinamentos, e projetos de consultoria personalizados, centrados no trabalho em rede para a mudança política. 

Tina Guimarães é Bacharel em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Doutora em Demografia pelo Cedeplar/UFMG e Pós-Doutora pela Universidade de São Paulo. É também professora de Políticas de Saúde no MBA de Economia e Avaliação de Tecnologias de Saúde da FIPE. Dentre suas experiências anteriores como docente ainda estão: EAD em Políticas de Saúde no MBA de Pesquisa Clínica do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (PROADI-SUS); Professora no MBA de Avaliação de Tecnologias em Saúde do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (PROADI-SUS),no MBA de Gestão Atuarial da FIPECAFI e professora de Demografia no Curso de Ciências Atuariais da Universidade de São Paulo.

Cristina (Tina) Guimarães
Políticas públicas e advocacy em saúde

Profissional com sólida formação acadêmica na área de Demografia da Saúde, experiência acadêmica e de pesquisa na área de saúde populacional com grupos de advocacy e quase 10 anos de experiência em trabalhos de pesquisa e consultoria em políticas de saúde no Brasil e no exterior, Tina Guimarães fundou sua própria consultoria em janeiro de 2020. Seu trabalho é centrado nos pilares de ampliação do conhecimento, por meio de cursos e treinamentos, e projetos de consultoria personalizados, centrados no trabalho em rede para a mudança política. 

Tina Guimarães é Bacharel em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Doutora em Demografia pelo Cedeplar/UFMG e Pós-Doutora pela Universidade de São Paulo. É também professora de Políticas de Saúde no MBA de Economia e Avaliação de Tecnologias de Saúde da FIPE. Dentre suas experiências anteriores como docente ainda estão: EAD em Políticas de Saúde no MBA de Pesquisa Clínica do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (PROADI-SUS); Professora no MBA de Avaliação de Tecnologias em Saúde do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (PROADI-SUS),no MBA de Gestão Atuarial da FIPECAFI e professora de Demografia no Curso de Ciências Atuariais da Universidade de São Paulo.

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